Somos filhos do tempo e das suas circunstâncias, ainda que acreditemos na liberdade das nossas escolhas. Inegavelmente estamos sendo testados com a pandemia e suas perdas trágicas, que têm nos convidado a considerar não apenas a necessidade recorrente de higiene das mãos, mas também de faxina mental, diante dos crescentes sintomas coletivos de ansiedade, depressão e burnout. Nessa linha, que tal ousarmos olhar para além das más notícias, considerando também as possibilidades de expansão disponíveis?
O coronavírus nos colocou diante do que é essencial para a sobrevivência, como o cultivo da solidariedade, dos afetos, do (auto)cuidado, do sistema público de saúde e da necessidade de cooperação internacional para além das trocas mercantis. A longa duração dessa crise pode ser justamente uma oportunidade para que não retornemos à “normalidade” tampouco para que nenhuma visão prescritiva ou preditiva do “novo normal” seja equivocadamente sedimentada. Em tempos de mudança, aderir às soluções rápidas e superficiais pode até trazer conforto temporário, mas o cultivo da dúvida, da experimentação e da expansão costuma ter mais valor no longo prazo.
Sair da hipnose coletiva em que estávamos vivendo é, por si só, libertário. Pessoalmente, aproveitei esse período para lembrar que a distância pode aproximar e que estar ativa não necessariamente significa ser produtiva. Além disso, acolhi a pausa, o decrescer e o ato de boiar (literalmente!) como formas legítimas — e por vezes mais eficazes — de avançar. Ao me entregar para as correntes marítimas e psiquícas, ficou nítido que os problemas costumam conter também as soluções, e que ter o suficiente é, na verdade, ter o máximo.
No avesso, podemos encontrar a possibilidade nova, o que ainda não tinha sido visto por olhos (e sistemas) cansados. O poder do pequeno, por exemplo, revelado na valorização dos negócios locais e dos atos singelos entre vizinhos durante a pandemia, ficou nítido. O valor do abraço, e até mesmo do Zoom, também. A história mostra que o Planeta — incluindo a economia — sempre acaba se regenerando com o tempo. Mas e nós, o que escolheremos ser daqui para frente? Quem iremos nos tornar? Será que o avesso será acolhido como caminho? Ainda não temos a resposta. E isso é bom.
Patricia Cotton é fundadora do Upside Down Thinking. Originalmente carioca, passou a amar a cidade saindo dela. Ao longo da vida, aprendeu que ir para longe revela o que está perto e que o caminho também é um lugar. Na dúvida, sempre pensa o contrário.