Homens à moda antiga gostam de usar um paletó de três botões. Abotoam-se os dois botões de cima, e o terceiro deve ser mantido desabotoado, fora da casa. É uma lei não escrita, mas mais obedecida que a lei da gravidade. Pintar o cabelo de negro graúna ou de acaju pode. Combinar terno de risca de giz com gravata de bolinha pode. Abotoar o botão de baixo, não: é gafe sem perdão.
Sempre que vejo um desses políticos, com seus bigodes lustrosos, suas papadas obscenas, seu inescapável olhar de cupidez, minha atenção logo se desvia para o botão aberto — sinal de que essa gente é capaz de violar todas as leis — menos a do terceiro botão.
O terceiro botão é a prova de que o darwinismo pode até funcionar com os tentilhões de Galápagos ou as tartarugas gigantes, mas não se aplica à moda em particular ou aos costumes em geral. Por que sobreviveria um botão que não se pode abotoar? Terá nascido já desabotoado? Foi pregado ali por engano? Ou a casa é que estava errada, e o botão foi colocado lá para disfarçar o vacilo? Jamais saberemos.
Mas o terceiro botão não está sozinho. Igual senso de inutilidade, de vazio existencial, deve acometer o sinal amarelo. No Rio, vivemos o maniqueísmo do verde e do vermelho. Entre um e outro, há uma zona cinzenta (no caso, amarela) que tanto significa “pare” quanto “corra que dá tempo”, ou “guentaí” e “vai que é tua”. O amarelo e o nada são mais ou menos a mesma coisa. Com a desvantagem que o nada não provoca acidente e gasta menos energia elétrica.
E quer algo mais desnecessário, mais inútil, que o hímen? Já teve seus dias de glória, é certo, tratado a pão de ló. Louça fina da cristaleira da vovó, mantido longe dos dedos afoitos, a salvo de brincadeiras perigosas que pudessem comprometer sua integridade. Porque, exatamente como a porcelana, quebrou… não tem mais jeito. Devia se manter intacto até o grande dia (grande noite) em que, finalmente, seria rompido num ritual que haveria de envolver impetuosidade, autocontrole, destreza, persistência e, com certeza, muito fingimento.
Hoje, os himens, assim como as idas ao pediatra, não sobrevivem à puberdade. Somem sem deixar vestígios nem saudade, perdidos no banco de trás de um carro, no primeiro bloco de carnaval, numa festinha no play. Não há mais os lençóis manchados, exibidos na janela — para orgulho do pai e alívio da mãe. E justamente agora que existe Vanish, que remove as manchas mais difíceis.
Por que, então, a Natureza, que já descartou os dinossauros, as anáguas e a fita Betamax, não tirou de linha também o hímen, o sinal amarelo e o terceiro botão?
Talvez eles estejam ainda entre nós para nos lembrar de que não se pode prescindir do supérfluo, do que não tem qualquer função. Deve ser por isso que ainda não abrimos mão dos Dragões da Independência, da forminha de gelo de bolinha, dos mamilos masculinos, dos dentes do siso e da Comissão de Ética do Senado.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.