Três eventos no mesmo dia me levaram a um desânimo, típico daqueles que acontecem aos que lutam há décadas contra a delinquência ambiental.
1- Por mais que se proteja, por mais que se cerque, por mais que se limpe, por mais que se divulgue na imprensa, toda semana, chegam novas descargas de vasos sanitários, tvs, pneus, lixo doméstico variado, móveis e outros resíduos nas áreas onde, há mais de uma década, sou incumbido de gerenciar manguezais e ecossistemas associados. Minha equipe, incansavelmente – até porque somos pagos para gerenciar aqueles trechos de faixas marginais de proteção -, remove de tudo que parcelas da sociedade despejam nos rios e lagoas, como se esses ecossistemas fossem latas de lixo. Francamente, é cansativo; e tem horas que o desânimo me abate, após 29 anos, acompanhando os mesmos erros e problemas, crescendo numa escalada vertiginosa, sem que os delinquentes ambientais, dentro e fora do poder público, ricos, muito ricos, pobres e ou miseráveis, sintam qualquer pressão das leis.
2- Mais uma vez, o roteiro se repete: esgoto produz de forma permanente gás sulfídrico e metano no fundo das lagoas + ressaca revolve o fundo pútrido das lagoas = liberação dos gases de uma só vez (cheiro de ovo podre) e mortandade de peixes em seguida, que morrem asfixiados. Nada de novo numa cidade que tem se especializado em exterminar a vida, seja ela humana e principalmente a não humana. Simplesmente, não gera nenhuma reação da turma que paga e não leva.
Com certeza, até hoje, eram “apenas” centenas de tilápias mortas, espécie exótica, talvez a única que ainda consiga sobreviver naquele patê de fezes e lixo em que as águas das lagoas se transformaram. Mais uma vez, minha equipe era a solitária testemunha de mais um crime ambiental sem punição.
Sim, crime! Crime intencional por décadas de meticulosa omissão de toda a estrutura pública diante da falta de saneamento e do agravamento das condições ambientais da região. Mas não tenho a menor dúvida de que quem faturou e alto com a degradação continuará desfrutando de seus direitos adquiridos, até porque esse lugar continua uma colônia de exploração com suas castas intocáveis, e que se dane o ambiente!
A espécie introduzida deita e rola, pois não há quem se alimente dela, consequentemente a mesma avança sobre o espaço físico ocupado pelas espécies locais que perdem lugar, bem como os que se alimentavam delas e por aí vai, não se sabe até onde!
Por ter escolhido ser biólogo, devido aos mergulhos que faço desde meus 17 anos, nas águas daquela baía, tenho percebido a perda de biodiversidade, isto é, os peixes que eu via não vejo mais! Pesca predatória, muitas vezes comandada por grupos paramilitares, despejo de resíduos, óleo, organismos introduzidos etc. contribuem para o empobrecimento do que eu conheci e me motivou a ser o que sou.
Isso me traz uma tristeza enorme, tanto do ponto de vista técnico como e principalmente pessoal, uma revolta monstruosa diante dessas decisões da justiça. Eu não sei de onde saem esses valores referentes às “punições”, sendo praticamente um prêmio para as empresas que não seguiram as medidas necessárias para proteger nossos ecossistemas costeiros.
Sem dúvida, desde 1987, ano em que arregacei as mangas na questão ambiental, não lembro de ter sabido a respeito de algum delinquente ambiental dos grandes, principalmente no que diz respeito à pessoa física, ser de fato punido exemplarmente.
Pode ter acontecido, mas desconheço!
Todos, sem exceção, continuam com o amplo direito de degradar democraticamente o que sobrou de nossos ecossistemas — e ai de quem olhar feio para essa turma de delinquentes vips, acostumada a fazer o que bem quiser desde que gere algum!
Continuamos vivendo numa colônia de exploração do século XXI! Disso eu também não tenho a menor dúvida. Portanto, o que continua interessando por aqui é obter o máximo retorno, de preferência de forma predatória, no menor prazo de tempo.
As leis? Ah, tudo por aqui se resolve de uma forma ou de outra, principalmente quando bem assessorado! Do jeito que vamos, não há escapatória. Aproveitem o que sobrou, pois nem isso irá durar muito, do jeito que vai.