Até precisamente cinco dias antes da decisão de distanciamento social imposta no Rio, eu estava voando de volta para o Brasil, saindo de uma Nova Iorque totalmente perdida em termos do que estava para acontecer. Até hoje, não sei como não peguei covid em NY, já que fui a restaurantes, teatros e eventos de moda lotados. Naquela época, falávamos em muita gente; não era ainda aglomeração, e nós achávamos ótimo! Em NY, começavam a procurar álcool em gel, mas viajei para o Brasil no início de março, sem máscara, normalmente ignorante, como todos.
Daí pra frente, minha história fica muito parecida com a de muita gente. Minhas filhas, que estudam fora do Brasil, vieram pra casa, e a família completa, com meu marido, passou a conviver 24 horas por dia, juntos, em isolamento. Mas temos muita sorte e fomos privilegiados nesse convívio em que vimos muitos filmes, aprendemos a bordar e fazer cookies juntos. Dessa época, lembro que passar o Dia das Mães com as duas filhas em casa foi um momento egoísta, mas eu estava muito feliz.
Para mim, que trabalho no mercado de moda internacional como consultora e curadora das principais feiras de moda dos EUA e Europa, ficar em casa, no começo, foi bom, mas logo ficou com cara de férias forçadas. Alguém pode imaginar o que é uma pessoa que, no ano de 2019, não passou mais do que três semanas no Brasil, em casa, e de repente ver todos os eventos cancelados e ficar sem sair, viajar? Demorei três meses para desfazer a mala de mão, que sempre ficava pronta e morava na sala.
Depois de todos os cancelamentos dos eventos presenciais internacionais, foram muitas reuniões em Zoom e aulas de Yoga para controlar a ansiedade. Em julho, começaram a aparecer as novas oportunidades que só uma crise mundial pode trazer. A pandemia trouxe um novo modo de trabalhar, comprar, vender e se comunicar. Naquele momento, o que acontecia no Brasil era exatamente o que acontecia no mundo. Todos necessitavam e desejavam o mesmo: um mundo digital. As feiras de moda se adaptaram ao digital, e minha consultoria e curadoria também. Em menos de seis meses, transformamos um evento físico para 16.000 compradores e 1.200 marcas em um evento digital. É impressionante o que conseguimos produzir sob pressão!
Como resultado de 2020, até o início de 2021, intermediei para mais de 70 marcas brasileiras lançarem suas coleções em plataformas digitais internacionais. Muitas marcas brasileiras se sustentaram durante este período, com as vendas nas feiras de moda digitais, ou seja, o que foi o maior desafio se transformou também na maior recompensa.
Um ano depois da primeira feira de moda cancelada, estamos voltando ao mercado internacional, com uma feira confirmada presencialmente em Miami, e já com o calendário de moda internacional de NY e o de Paris confirmados. O digital continua como suporte — não desapareceu, e ainda é uma solução enquanto não estamos todos liberados para viajar. É uma questão de tempo, mas que já sabemos como lidar.
2020 foi um ano que não passou em branco.
Simone Jordao é carioca e especialista em mercado de moda internacional. Representa no Brasil algumas das mais importantes feiras americanas, como a Coterie NY, e francesas, como a “Who’s Next” e “Première Classe”. Jordão é formada em moda pela ESMOD, em Paris, e tem mais de 30 anos no mercado.