Aos 17 anos, ainda morando em Goiás, eu conheci o amor o primeiro amor, aquele que, quando se apaixona, tudo passa a fazer sentido. Meu corpo, minha alma e meu coração pareciam conectados pela primeira vez na vida. Eu e Guilherme não éramos gays, éramos “entendidos”. Usávamos esse termo porque se autodenominar gay era ofensivo demais pra gente.
No dia 12 de junho de 1997, Dia dos Namorados, conseguimos convencer nossos pais de dormirmos fora de casa. A desculpa era ir à festa de um amigo, cuja casa ficava fora da cidade. Foi, de fato, o dia mais feliz da minha vida. Dormimos abraçados pela primeira e única vez. No dia seguinte, cheios de esperança e planos, voltamos pra casa.
Nos encontrávamos todos os dias no mesmo horário e lugar; nesse dia seguinte, ele não apareceu. Descobri por uma amiga que ele seria internado numa clínica evangélica para dependentes químicos que prometia curar a homossexualidade. Nos encontramos escondido nos fundos da faculdade. Tinha levado uma surra cruel e ficado em oração na igreja por toda a noite, pedindo perdão pelos seus pecados.
Ele ficou seis meses na clínica e, quando voltou, já estávamos destruídos demais pra tentar ter algo novamente. Me mudei para o Rio, e ele continuou em Goiás. Tentou se matar por três vezes e, para se salvar, pediu asilo, nos EUA, por homofobia. Mudou-se pra São Francisco e seguiu seu caminho.
Eu tinha o sonho de ser ator, mas considerava impossível: eu era pobre, gay e fora dos padrões de beleza. Nada me fazia crer que era possível. Foram 10 anos no Rio, trabalhando pra sobreviver e adoecendo aos poucos. Aos 26 anos, fui demitido por estar com depressão avançada e voltei pra casa dos meus pais, em Goiás.
Novamente “em casa”, encontrei acolhida no amor da minha família e dos amigos. Me refiz, voltei para o Rio, me formei em teatro e, rapidamente, conquistei meu espaço. Porém, a crise cultural, ética e social do País, agravada pela pandemia, me tirou o chão e o sentido de continuar a caminhada como artista. Por ironia do destino, o Gui veio até o Rio me visitar e percebeu o meu estado, me ajudou a buscar ajuda e tratamento. Hoje temos uma relação de muito sentimento, muito amor, mas sem apego, só amizade mesmo.
A poesia e a música me ajudaram a levantar da cama, duas em especial: “Sujeito de sorte” e “Principía”, ambas do álbum AmarELO, do Emicida. A música cheia de representatividade conclama a diversidade para a luta. A poesia do Pastor Henrique Vieira aclamava amor como fonte de divindade. Levantei em busca do que mais me representava. Através da Lei Aldir Blanc, aprovei primeira edição do RePensa Festival. Foram quatro dias numa maratona em favor do amor, da vida e da liberdade.
O RePensa me fez entender meu lugar como agente transformador através da arte. Só a representatividade abre horizontes e salva vidas. O sentido da vida e da arte pra mim hoje é criar caminhos para um mundo mais livre e seguro. Só a arte tem esse poder de despertar o amor ao próximo; afinal de contas, tudo que ‘noix tem é noix!’ A ideia principal do RePensa é unir bandeiras, lutas, artistas periféricos, pensadores, influenciadores na busca por um tempo de amor e liberdade!
Rogério Garcia é ator e empreendedor cultural interessado em produção e realização de projetos artísticos para a diversidade e mudança social. Criador do RePEensa Festival, que acontece de 27 a 30 de maio, sobre inclusão de gênero e de raça, e curador do Teatro Nathalia Timberg, na Barra. Atualmente está em cartaz com a peça-filme “Angustia-me”, de Julia Spadaccini e Marcia Brasil, no YouTube.