Desde 2017, estou à frente de uma instituição esportiva. Sou a favor do esporte, trabalho muitas horas do meu dia, de forma voluntária, por atletas e instituições de ginástica. Dia 24 de julho, teremos a abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, evento com estimativa de 12.750 atletas de todos os países do mundo, que estarão acompanhados dos seus treinadores, fisioterapeutas, dirigentes e árbitros, para disputas de 306 competições organizadas pelo comitê japonês.
Considero uma atitude irresponsável dos Comitês Olímpicos. Como realizar uma olimpíada, em meio a uma pandemia? Como pensar em quem é o mais veloz, o mais forte, o mais persistente neste momento difícil e desafiador? A escalada de casos não para de subir na Ásia. Nessa quarta (06/05), a Índia bateu um novo recorde nada animador: 412.431 casos de covid. Sistemas de saúde estão colapsados em diversas áreas do Planeta. Faltam vacinas, oxigênio, médicos, empregos, enfim, falta muita coisa neste momento.
Segundo a pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz, em live que fizemos mês passado, sob o ponto de vista científico, Tóquio 2021 já deveria ter sido cancelado há muito tempo. Talvez, as pessoas não tenham realizado que estamos vivendo uma guerra, da ciência contra um vírus. Em 1916, 1940 e 1944, por exemplo, os jogos foram cancelados, em meio a guerras mundiais.
Por que não deveríamos passar, quem sabe, essa edição para o ano que vem? Semana retrasada, em sistema de bolha, com múltiplas testagens, foram feitas competições de vôlei. Resultado: o vice-presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, Radamés Lattari, e o treinador da mesma modalidade, pegaram a doença e foram intubados. Radamés já tinha tomado uma das doses da vacina por causa da idade, mas não tinha a sonhada resposta imunológica.
Meses antes, o campeão olímpico de vôlei de praia Rio 2016, Bruno Schmidt, que está classificado para os Jogos, pegou Covid-19 e foi parar na UTI, desconstruindo a tese de que atletas fortes e poderosos estariam blindados. Esta semana, mais uma notícia: o Comitê Olímpico do Brasil apresentou um programa em que atletas que disputarão Tóquio serão vacinados nos próximos dias. Bom ou ruim? Definitivamente acho que esse lugar não é dos mais confortáveis. Por que um atleta deveria receber a vacina antes de uma pessoa que está tratando de leucemia ou câncer? Por que um atleta será vacinado antes de um caixa de supermercado, de um porteiro ou de um profissional que nunca parou de trabalhar ?
Na Bélgica, no início de 2021, os atletas foram colocados no plano de imunização do país europeu como grupo prioritário. O que aconteceu? A população se revoltou, e a posição foi rapidamente revista. O temor? Que essa situação transformasse os ídolos locais em perfeitos vilões. Afinal de contas, segundo estudos, o Planeta só vai produzir 3 bilhões de doses este ano, isso para uma população de mais de 8 bilhões de pessoas. Das vacinas produzidas este ano, 75% foram compradas pelos 10 países mais ricos do mundo. Em um lindo evento, que sonhamos em torcer a cada quatro anos, o principal viés humanitário de aproximação dos povos, acaba se perdendo na falta de sensibilidade de gestores e de empresários gananciosos.
Bruno Chateaubriand é jornalista e presidente da Federação de Ginástica do Rio (FGERJ) desde 2017.