O céu está verde e rosa, nesta quinta (27/05), para receber Nelson Sargento, que morreu aos 96 anos, depois de ser internado com a Covid na última sexta (21/05). O sambista já tinha tomado as duas doses da vacina, mas era do grupo de comorbidade, por ter tido um câncer na próstata. A coluna falou com o presidente de honra da Mangueira em fevereiro, logo depois de ele ter tomado a primeira dose, quando disse: “Estou muito aliviado, mas continuo usando máscara. Desde março de 2020 estou em prisão domiciliar e já perdi muitos amigos”.
Nelson era personagem assíduo por aqui, seja em época de carnaval como nessa última entrevista, quando ainda tínhamos carnaval, em 2019. Disse que o segredo do seu vigor era a “natureza que me conduz, sou bem-condicionado”. Fato é que ele foi um sambista versátil, inteligente, espirituoso e naturalmente ligado em tudo, chegando a ter um canal no YouTube e, com isso, atrair jovens fãs para seu extenso trabalho, composto por mais de 400 músicas.
Os vários Nelsons
Um dos muitos talentos do artista veio da primeira profissão, de pintor de paredes, o que acidentalmente despertou interesse pela arte quando começou a pintar quadros primitivistas. Mostrou algumas pinturas ao jornalista Sérgio Cabral (pai), foi elogiado e incentivado a continuar e organizou uma pequena mostra com seus quadros. “Eu gosto de pintar os morros, as escolas de samba, os ritmistas, as baianas. Esse é o tema da minha pintura”, disse ele em 1981. Depois, foram muitas exposições.
Nelson também fez aparições, como ator, nos filmes “É Simonal”, de Domingos de Oliveira, “O primeiro dia”, de Walter Salles, e “Orfeu”, de Cacá Diegues, além da minissérie “Presença de Anita”, da TV Globo. No Festival de Gramado, ganhou o Kikito de melhor trilha sonora com “Nelson Sargento da Mangueira”, curta de Estêvão Pantoja.
Frasista conhecido e piadista compulsivo, o compositor anotava ideias num pequeno caderno azul, pensamentos que ele pretendia reunir em um novo livro, provisoriamente chamado de “Monólogos”. Ele é autor de “Prisioneiro do mundo (1994, com reedição em 2012, de poesias), “Álbum de retratos – Imagem” (2007), “Pensamentos” (2005, com 320 frases) e “Samba e eu” (2003, de contos).
Selecionamos algumas:
“Não vai ser com letras sobre Viagra e penico que a qualidade da MPB vai melhorar.”
“Rico dá festa e diz: ‘Você leva a bebida’. É um sinal dos novos tempos; pobre é que tem a mania de bancar tudo.“
“Queria ser a felicidade para abraçar o mundo inteiro.”
“Peça perdão para poder errar de novo.”
“A vida é boa quando tudo corre bem.”
“Se você não espalhar o que viu, a história não anda. O samba é um grande delator.”
“O Brasil agoniza, mas não morre: é como o samba, tem sempre alguém por baixo tentando segurar.”
“Aprendi muita coisa com a vida, mas não posso provar. A vida não dá diploma.”
“O samba é música, e a música é o beijo da alma.”
“O samba, se tivesse forma, seria todos nós. E o cartão de visita do nosso país. Homenagear o Samba é incentivar a cultura brasileira, e a gente só pode ficar feliz com isso.”
“O progresso é destruidor. Tem uma coisa: ou você despreza o progresso, ou se adapta para poder viver. Aconteceu muita mudança, a feijoada no samba foi banida. A caipirinha foi banida. É uma mudança de estrutura. Felizmente, a feijoada e a caipirinha voltaram para as escolas.”
“A saudade é um punhal cravado no fundo do peito de quem ama.”
“Quando a mulher ama com fervor, seu nome é Paixão; quando perde, seus sonhos bons, seu nome é Solidão; quando sabe o que quer, seu nome é Determinação; e quando ama e não é amada, seu nome é Sofreguidão.”