Bernardo, meu filho, nasceu no início de maio, ou seja, a cada seis ou sete anos, seu aniversário será comemorado no Dia das Mães, tal como foi a celebração do seu primeiro ano de vida.
Esse periódico reencontro emocional com sua mãe biológica é apenas uma das questões que lhe caberão significar com sua maturidade e que deverão ser adequadamente acolhidas para sua construção enquanto filho adotivo. Aliás, maio também é o mês em que se comemora o Dia Nacional da Adoção (25/05), uma data em que se costuma promover debates sobre um dos princípios mais importantes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): o direito à convivência familiar e comunitária com dignidade.
De verdade, ressignificar resume a experiência da adoção, e decidi participar dela, juntamente com meu marido, para dar novo sentido a uma outra história de vida, sem perceber o presente recebido com a mudança de meu olhar sobre esse instituto. Quando decidimos adotar uma criança, sabíamos apenas da parte mais gostosa da missão: a de amar sem limites um pequeno ser humano que se uniria para sempre à nossa família.
Todo o conhecimento adquirido depois veio de leituras, da troca de vivências com o universo de pais, filhos adotivos e grupos de apoio, dos trâmites burocráticos da Justiça e também da observação dos preconceitos sociais sobre o tema.
E vimos que essas vozes começaram a mostrar seus sons de um outro lugar, graças à legislação que pôs o interesse da criança como centro de tudo e empoderou esses filhos a sair de seus armários invisíveis, de onde só se ouviam sussurros sobre a adoção.
Preparados pelo tempo da espera – foram cinco anos e meio desde o primeiro contato com a Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal -, bastou um telefonema da Justiça comunicando a chegada de nosso filho para presentearmos amigos e familiares com a emoção guardada desde o início do processo. Em menos de uma semana, tínhamos uma nova rotina, com direito até à penumbra da iluminação teatral para acolher aquele pequenino broto de luz.
Ficamos completamente imersos no mundo da paternidade. As descobertas diárias nos levavam da plenitude aos medos no tempo da troca de uma fralda, e tudo precisava ser registrado, tatuado na linha de nossa vida. Teve um rebuliço emocional dentro de mim. As experiências vividas diariamente com ele me faziam querer escrever. Era uma forma de processar aquilo que estava acontecendo e de registrar algo que achava interessante ou curioso.
Assim surgiu o livro “MasterPai – receita de uma nova vida”, com pequenos textos reunidos como num álbum de fotografias. As palavras imprimiram o papel com uma íntima lembrança afetiva de bolso para o deleite de todos que não tiveram tempo de as escrever, porque estavam ninando seus filhos.
Os textos também ilustram e educam os não pais. Permitem-lhes sentir a parentalidade de perto, com a lupa da emoção, sem se preocupar com as obrigações dela decorrentes. Eles ainda ajudam a sociedade a lidar com a homoafetividade, ao mostrar o quão comum pode ser essa formação familiar legitimada pelo Estado brasileiro – legitimidade que trouxe uma tranquilidade cotidiana em todas as fases do processo, desde a habilitação até nosso atual convívio social em família.
Não nos assustam mais perguntas como “quem é a mãe?” Não há mãe em nossa família adotiva. Há apenas dois pais babões, cheios de uma alegria atômica gerada por um menininho correndo feliz pelos cômodos da casa.
Quando olho nosso começo, vejo a importância de termos percebido a tempo que nosso principal medo vinha de nossos preconceitos. E como crescemos de lá para cá! Vencemos nosso medo de uma adoção homoafetiva ao realizarmos que não há adjetivos para ela. Só há um substantivo, o maior de todos: o amor.
José Barreto Hotten nasceu em João Pessoa e mudou-se para Brasília em 1998. É casado com o cantor e historiador Alexandre Lucena desde 2012, e adotaram o Bernardo em 2019, quando criou o perfil @JbHotten para falar sobre temas como adoção e parentalidade em uma família homoafetiva. Em 2020, escreveu “MasterPai – Receita de uma nova vida”, lançado pela editora Arte Impressa, e disponível para venda em lojas virtuais.