Criar tornou-se o meu “bote salva-vidas” na pandemia. Há pouco mais de um ano, quando alguns dos meus projetos foram adiados, resolvi usar o momento de ócio de maneira criativa, já que, como atriz, a criação sempre foi um alívio em minha vida. Desde 2016, quando tive minha primeira crise de ansiedade, a ideia de escrever sobre o tema vinha martelando na minha cabeça. Mas queria tratar especificamente de uma primeira crise, quando ainda não entendemos exatamente o que está se passando conosco. Tive certeza sobre a relevância do tema, ao conversar a respeito com alguns amigos e ficar sabendo do resultado de uma pesquisa recente da OMS — o Brasil é o país com mais pessoas ansiosas no mundo (18,6 milhões de brasileiros).
E nós, mulheres, somos as mais acometidas pela ansiedade. Por que será? Decidi sentar e escrever sobre uma mulher que está feliz com sua vida e tentando dar conta de todas as suas demandas (casa, marido, filho e trabalho), até que uma peça de sua rotina sai do lugar e faz o todo desmoronar. Ela está, há 17 dias, sem dormir, e é, a partir da perspectiva dessa mulher insone, que seremos convidados a entrar em sua vida e acompanhar sua jornada em busca de ajuda para continuar dando conta das suas atividades. Ela está tão desconectada de si mesma que não procura ajuda para entender; ela só quer encontrar o “remédio” para continuar com sua rotina. Durante esse processo, ela entende que não há mais possibilidade de “volta” e que sua única escolha será olhar tudo o que foi colocado “embaixo do tapete”.
Acredito que, neste momento de pandemia, em que alguns tiveram a vida “suspensa” e ficaram mais tempo consigo mesmos e com suas famílias, aconteceu esse momento de olhar pra dentro (refiro-me àqueles que têm o privilégio de ficar em casa). A personagem também se encontra em um momento similar. Olhando para si mesma, ela vai recuperar antigos prazeres que haviam ficado perdidos em sua memória – como se fizesse as pazes com a sua criança.
Contudo, sou de uma família que enxerga humor nas situações; então me autorizei, por ter ansiedade, a tratar o tema de maneira leve. Coloco uma lente de aumento em algumas situações, fazendo com que cheguem ao absurdo para, dali, tirar humor. E assim nasceu “Caótica — uma ótica bem-humorada sobre o meu caos”, meu primeiro texto. Apesar do pronome “meu” no subtítulo, não se trata de um relato da minha vida, e sim de um texto de ficção. No entanto, por ser meu o primeiro, tem muito de mim, o que provavelmente deve criar identificação em muitas mulheres.
Também tive a preocupação de usar o pronome “meu” porque não queria, de maneira nenhuma, que pudessem associar esse caos à pandemia, sobre a qual não há lente que nos faça enxergar, sobre nenhuma perspectiva, bom-humor; pelo contrário, é desolador. Coloquei o texto no edital Aldir Blanc, que, neste momento em que muitos artistas estão desempregados, foi de extrema importância para toda a classe. Para minha alegria, fui contemplada e confesso que morri de medo porque agora teria que mostrar meu texto para as pessoas.
Para não me sentir tão sozinha, mesmo se tratando de um solo, contei com o suporte e talento de amigos que foram extremamente generosos com o projeto, a começar pelo meu marido, Fabio Strazzer. Ele é diretor de dramaturgia e, neste momento, não enxerguei melhor parceiro para o projeto; sem ele, certamente não conseguiria. Também tivemos a provocação artística da genial Duda Maia, diretora de teatro superpremiada, do dramaturgo e roteirista megaexperiente Leandro Muniz, além de um time talentoso que me deu todo o suporte para que me sentisse segura em cena. Estar cercada de amigos, mesmo que virtualmente, foi essencial.
Trabalhar em casa é um verdadeiro desafio — tenho a sensação de que trabalhamos mais horas. Soma-se a isso o fato de ser dirigida pelo meu marido, ou seja, era difícil para o nosso filho entender que ele não poderia interromper e que estávamos trabalhando. Éramos interrompidos a todo instante por filho, cachorro, telefone, interfone, obra de vizinho… Tivemos que dar nosso jeito! No fim das contas, tínhamos hora para começar, mas nunca para terminar os ensaios. Semana passada, tivemos um encontro com parte da equipe, para ensaiar para as gravações, todos testados, claro. Fiquei emocionada ao recordar que, há um ano, sem perspectiva de voltar ao trabalho, uma ideia minha se concretizou e agora estará ao alcance de todos. Quero levar um pouco de leveza e diversão às pessoas, como se elas pudessem, nesses 45 minutos, acompanhar a jornada dessa mulher caótica com empatia e entrassem nesse meu bote salva-vidas por alguns minutos.
Priscila Assum é atriz e agora autora, com a comédia “Caótica – uma ótica bem-humorada sobre o meu caos”. A estreia será nesta quinta (08/04), às 21h, no YouTube. Mais informações no Instagram @priassum. A peça marca também o primeiro trabalho de Fábio Strazzer, diretor de dramaturgia da Rede Globo desde 2007 (que fará o remake de “Pantanal”), no teatro.