O que exatamente escrever sobre o Dia da Terra, o Dia da Mãe?
Aquela que gerou pelas mais diversas condições que a matéria sem vida tivesse condição de alcançar a capacidade do autoconhecimento? A autocontemplação da criação!
Justamente o hipotético ápice desse autoconhecimento, fruto de bilhões de anos de processo evolutivo e de diversas extinções em massa, o filho pródigo da evolução, a espécie capaz de ser a verdadeira protetora de toda a criação, hoje é sua principal algoz.
Longe de qualquer análise subjetiva, o Homo sapiens, de protetor, atualmente é o maior perigo para toda a criação, responsável, segundo os experts, pela extinção em massa em andamento, em que quase nada escapa da voracidade compulsiva de uma civilização globalizada, entorpecida pela sua capacidade de transformar e supostamente subjugar toda a criação.
Vivemos a adolescência dessa civilização e, como tal, não deslumbramos o fim, mas apenas o momento exuberante no qual vivemos, sem muitas vezes medir as consequências de nossos mandos e desmandos.
Fato é que, há várias décadas, o Planeta que acolhe a espécie dominante mostra fadiga diante das demandas infinitas de uma ilimitada e insaciável fome por crescimento e consequentemente de recursos naturais jamais vista na história da humanidade.
Entramos, a cada ano mais cedo, no vermelho do cartão de crédito planetário, da relação do que tiramos e do que a Mãe tem capacidade de repor nessa conta que não fecha mais.
Tudo está acontecendo neste exato momento, desde a supressão sumária de ecossistemas e extinção de espécies que se acentua a cada ano, o bombardeio permanente contra os sistemas de homeostase planetários, responsáveis pela civilização como a conhecemos, bem como nas mudanças climáticas que arriscam de colocar de joelhos essa mesma arrogante civilização.
Os exemplos de sociedades que, no passado, sucumbiram pelo uso e abuso dos recursos naturais em escala local têm sido relatados em vários livros sobre o assunto. Mesmo assim, somado com os alertas de climatologistas, ecólogos e demais profissionais voltados à gestão planetária, pouco têm sido geradas, no atacado, na sociedade e em seus governos, medidas e mudanças comportamentais de fato impactantes na trajetória que nos tem conduzido para um brevíssimo futuro, onde boa parte da humanidade pode não constar na equação final a ser produzida.
Quando olho para o Brasil, aí minha preocupação cresce vertiginosamente, pois, baseado nas informações dos institutos de pesquisa aeroespaciais, importantes biomas brasileiros, simplesmente, vêm sendo varridos do mapa em detrimento de demandas momentâneas de mercado.
Nada contra o agronegócio moderno e pautado em boas práticas de gerenciamento ambiental e tecnologia de ponta, até porque as mudanças climáticas irão cobrar caro justamente desse tipo de importante atividade econômica no que tange sua produtividade e até mesmo viabilidade.
No entanto, no Brasil, há uma significativa porção de “agrotrogloditas” associados com setores políticos do que há de mais retrógrado e primitivo em termos de gestão ambiental, delinquentes ambientais travestidos de empresários e representantes do povo, que ainda vivem como se o País continuasse como aquela colônia de exploração do século XVII.
Aliás, infelizmente, o Brasil continua em pleno século XXI, gerindo no atacado, nas metrópoles, no campo e nas florestas, seus recursos naturais como uma colônia de exploração. Por enquanto, não há sinal de que esse tipo de relação predatória mude, até porque, salvo algumas reações aqui e acolá, a maior parte da sociedade nacional não tem indicado para seus representantes que o tema ambiental seja algo importante e, portanto, a classe política tem literalmente pouco tomado conhecimento do genocídio ambiental em andamento no País.
Quando olho para a minha cidade, a cidade do Rio de Janeiro, aí mesmo é que a preocupação se transforma em quase desespero.
Demandas históricas sociais e ambientais vão sendo empilhadas em algum canto, crescendo os passivos, eleição após eleição, sem perspectiva de resolução, enquanto o tecido social e ambiental da cidade se vê corroído pela metástase do crescimento urbano desordenado e da falta de saneamento universalizado.
A “Cidade Maravilhosa”, puro marketing que apenas resiste em alguns maciços e trechos de praia, vai perdendo seu principal encanto, atrelado diretamente ao seu ambiente mutilado por décadas de descaso e impunidade sistêmica dos delinquentes ambientais dos mais diferentes quilates e origens, que deitam e rolam. Parece que simplesmente não aprendemos nada com décadas e mais décadas de tragédias anunciadas.
Numa cidade denominada de “rio”, no Rio de Janeiro, simplesmente não existem mais rios no sentido ecológico da palavra, mas quase que exclusivamente valões de esgoto e lixo sem vida, baías e lagoas transformadas em imensas latrinas e depósitos de lixo, transformando nossa cidade talvez num exemplo mundial de como não gerir uma cidade de vocação turística e ambiental.
Esse foi o legado do século XX que perpetuamos, nas duas primeiras décadas do século XXI, em boa parte deste planeta e principalmente nos lugares que insistem em perpetuar suas relações coloniais e predatórias com o ambiente.
Nesse filme, não há mocinhos. Temos bandidos maus e bandidos muito maus e uma única vítima: a Criação.
Até quando permitiremos, com nossa cumplicidade ativa ou passiva, que os bandidos continuem traçando nosso sombrio futuro é que é a grande questão. De uma coisa é certa: a Mãe já dá mostras de que está saturada de conversas, cúpulas e reuniões e que as retaliações crescerão numa escala jamais vista.
Todos somos responsáveis pelo resultado que está sendo produzido neste exato instante. Não há mais espaço para procrastinações: de cada um de nós, culpados ou inocentes, será cobrado o preço de nossas posições.