Já sei o que pedir de aniversário.
Nada de lenço, par de meias ou de abotoaduras.
Queria ser vereador por um dia para poder fazer o que todo vereador faz: dar título de cidadão honorário e criar dia disso, dia daquilo. Com a diferença que eu não ia dar título a ninguém (oh vanitas vanitatum!), mas um novo feriado ninguém tascava.
Então eu me daria um feriado de presente.
Não desses antecipados, com gosto de “estou de atestado” — quando é preciso ficar em casa, porque vai que meu chefe esbarra comigo no shopping, ou o professor me flagra na praça.
Não. Tem que ser feriado com jeito de efeméride (pense numa coisa efêmera, que dure só um dia e se desmanche lentamente no céu enquanto os astros se desalinham: isso uma efeméride). Quero um feriado assim, desvanecente.
Há o “Dia sem Fumo”, o “Dia sem Carro”, o “Dia sem Carne”. Eu, que nasci espremido entre os feriados de Tiradentes e de São Jorge, emendaria os dois fazendo do 22 de abril um “Dia sem Furadeira”.
Imagino o desespero do meu vizinho ao acordar às 6h de uma radiante manhã de abril e se vir impossibilitado de pegar a furadeira e fazer o que não faço ideia do que ele faça com a furadeira. Mas faz. Todo santo dia.
Penso que ele há de ter sido pica-pau em alguma geração recente, e precise furar coisas, atavicamente. Então compre ripas, terças, caibros, montantes e prateleiras na Leroy, deixe tudo estocado num local bem acima da minha mesa de trabalho e, ao romper da aurora, ligue a blequendeca na tomada e fure. Fure com gosto. Catarticamente. Fure como quem escava um veio diamantífero. Como quem coça um bicho de pé. Como quem persegue o último dos tatuís nas areias do Posto 9 ou a última vacina na prateleira do posto de saúde.
Pode ser também um “Dia sem arrastar móveis”. Vinte e quatro horas com os móveis imóveis no andar de cima — cadeiras acocoradas junto à mesa, mesa estacionada no centro da sala, sala sem ecoar o ranger dos pés do sofá, sofá refestelado no seu canto, o canto dos bem-te-vis chegando até a cama, a cama sonolenta entre as mesinhas de cabeceira, mesinhas de cabeceira sossegadas a um passo do armário embutido, armário embutido introspectivamente entocado no seu nicho. Porque tenho certeza que até o armário embutido a vizinha de cima arrasta.
Se não der, vale um “Dia Sem Crianças Guinchando na Piscina”. Um “Dia Sem Palavrões na Quadra de Tênis”. Um “Dia Sem Sofrência e Bebedeira no Andar de Baixo”.
Parafraseando Dolores Duran, um dia sem ninguém gritar, um dia bem comum. Um dia em que eu pudesse ler, escrever e meditar sem falatório e sem estresse nenhum.
Enquanto não consigo os votos necessários para uma vaga no Palácio Pedro Ernesto, o jeito é ir levando com os plugues de cera e de silicone, o protetor auricular da 3M, a janela fechada, o ar no máximo e o mais novo aliado: o White Noise Generator (e não é das Organizações Tabajara!), que emite ruído gaussiano branco nas modalidades “chove lá fora”, “água corrrente”, “vento nas folhas”, “glub glub glub”, “zzzzzzzzzz” e “mmmmmmmm” (que é o meu favorito).
E eu que acreditei, anos atrás, naquela placa que dizia “Sorria, você está na Barra”.