Mesmo para os que se disponham a analisar, com um mínimo de frieza a situação do Brasil nesses últimos dias, não há como evitar sentimentos de perplexidade e amargura com a convergência dos desacertos acumulados.
Dois fatores que entendo gravíssimos desabrocharam agora como flores fétidas, não bastassem os tantos dissabores paralelos da gestão pública que se põem a nossos olhos nos jornais diários.
O primeiro é o agravamento devastador da pandemia e sua consequência imediata, duplicação de mortes e saturação dos hospitais. Em resumo, vivemos o pior momento desde o início da Peste — a tragédia do Brasil está nas manchetes de jornais internacionais. Pelo menos 20 países suspenderam ou impuseram vetos específicos aos passageiros saídos daqui, por temor da propagação.
Fala-se do Brasil, meu Deus, como uma ameaça sanitária! Ou seja, a maldição soprada pelo chanceler Ernesto há meses, ao orgulhar-se de sermos um pária internacional, consumou-se. O cientista Miguel Nicodelis, professor da Duke University, não usou meios termos: “Essa rejeição é global e provoca pavor no mundo todo.” A condução da crise pelo governo brasileiro, antes sussurrada com discrição pelas esquinas do mundo, agora virou cobrança acalorada pela comunidade científica do planeta. Sai Pazuello e entra Queiroga. Esperança?
Todos, incluindo economistas e políticos mundo afora, aconselham o isolamento do Brasil. Até mesmo Centros de Estudos Brasileiros de universidades, como as de Oklahoma ou de Glasgow, são melancólicos sobre o destino de nosso país, cuja reputação míngua a cada semana de descontrole da pandemia.
O Departamento de Doenças Infecciosas de Londres também nos aponta o dedo: “Até que haja uma cobertura total de vacinas e medidas mais rigorosas de controle da população, a epidemia mal administrada representa uma ameaça global, tornando-se impositivos lockdowns, máscaras e distanciamento social”.
Embora o temor mundial seja a falta de vacinas para o Brasil, sua reconhecida intimidade em vacinações poderia imunizar até 1 milhão de pessoas/dia — muito longe dos números pra lá de tímidos de agora. Nesse ritmo, pela imprudência do Governo de não ter reservado vacinas suficientes como quase todos os países fizeram ainda em 2020, a pandemia vai abater nossa gente pelos próximos dois anos. Dois anos! Para conhecimento de todos: os Estados Unidos anunciam seus habitantes vacinados até maio, mesmo com Trump negando em 2020 a pandemia e inventando falácias. No Reino Unido, a população estará vacinada até julho.
Enquanto isso, todos já se preocupam com as variantes do vírus chegarem a vários países do mundo. Buscam-se, pelo momento, vacinas para abortar a migração de novas cepas.
Os lockdowns — que o Brasil repudia em promover para controlar a transmissão (agora no auge) — põem o Brasil como risco mundial.
Atentem: estudantes brasileiros enfrentam todos os problemas. No Reino Unido, são 12 dias de quarentena em hotéis indicados, ao custo de 14 mil reais; nos Estados Unidos, muitos fazem quarentena no México; na Europa, crescem as especulações de boicote à carne e soja por conta da política ambiental errônea.
Os círculos políticos daqui e de fora já comentam o Custo Bolsonaro: altíssimo e temerário.
Não para aplacar, senão para aumentar o incêndio político-ético-moral em que mergulhamos nestes dias, paira agora a grande ameaça do STF (até tu, Brutus?): anular milhares de condenações impostas à corrupção pela Lava Jato.
A enorme poeta portuguesa Sophia Breyner testemunharia a triste realidade de hoje: “Quando a pátria que temos não a temos, até a voz do mar se torna exílio.”
Ricardo Cravo Albin é jornalista, historiador, pesquisador musical e criador do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que tem mais de sete mil verbetes e referência na área musical.