Passei a segunda-feira inteira dando aula (UERJ). Interessante é que, no meio da tarde, várias pessoas nas ruas começaram a gritar “Lula livre!”. Eu imaginei que alguma coisa tivesse acontecido, o que mostra o impacto da notícia de que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou todas as condenações do ex-presidente Lula pela Justiça Federal no Paraná, relacionadas às investigações da Operação Lava Jato.
Primeiro, a notícia acontece num contexto político em que a Lava Jato vem sofrendo muitas críticas e perdendo muito apoio, tanto que chegou, inclusive, ao fim… A operação não existe mais. Nos últimos meses, ela perdeu apoio político que teve nos últimos anos e, por várias razões, que vão desde as revelações sobre uma série de atos ilegais cometidos pelos procuradores e pelo Sérgio Moro e até pela decisão de Moro ter virado ministro do governo Bolsonaro em todas as divisões político-partidárias que isso representa. E também pelo próprio tratamento que o governo Bolsonaro deu à imprensa sem que o Moro tivesse, em nenhum momento, defendido os jornalistas e a liberdade de opinião, que foi algo superimportante para a ascensão política dele mesmo como juiz e ministro.
Então, já havia esse desgaste político, e tivemos uma série de declarações dos ministros do Supremo de que alguma coisa grande iria acontecer em relação à Lava Jato, principalmente quando o Gilmar Mendes falou, em vários momentos, que o Brasil devia um julgamento justo a Lula. No entanto, a decisão de Fachin não tornou Lula inocente nem foi uma decisão de suspensão em relação a Moro. O que ele fez foi basicamente dizer o seguinte: os julgamentos envolvendo a Petrobras não poderiam ter acontecido em Curitiba e Moro não teria a competência jurídica para julgar os casos, então eles têm que ser julgados novamente por um Tribunal Federal no Rio.
Minha sensação inicial é que o impacto final da decisão será muito menor do que parece agora, e nada disso significa nenhum tipo de medida de inocência ou nada do gênero, embora muitas pessoas vão interpretar assim. Tanto os apoiadores de Lula quanto do PT podem usar isso como estratégia da campanha e dizer que a Lava Jato estava errada desde o início.
Acredito que, passado o momento do entusiasmo inicial dos seus apoiadores, o quadro político não muda tanto assim. A popularidade do Lula tem crescido ao longo dos últimos meses, principalmente por causa da pandemia e dos problemas econômicos do governo Bolsonaro, mas a rejeição a ele ainda é muito forte e podemos ver isso nos resultados das eleições municipais de 2020, muito ruins para o PT, que virou um partido de pequenas cidades do interior do Nordeste e da Amazônia, perdeu a classe média do Centro-Sul, o eleitorado das grandes capitais e continua com rejeição por causa da corrupção, dos erros políticos e econômicos.
Para muitos eleitores, seria importante o ex-presidente ou o PT reconhecerem de onde foram cometidos os crimes, de onde foram feitos os erros, ao passo que o discurso oficial do PT é que o partido não fez nada de errado, e todos os casos de corrupção foram inventados numa grande conspiração, o que é algo que só funciona para um eleitor muito apaixonado, talvez um quarto dos brasileiros, mas para reconquistar um voto de um eleitor de centro, ou um mais moderado tem que ir além disso e fazer um trabalho de autoavaliação e mudança interna muito maior, e não temos nenhuma indicação de que isso vá acontecer.
Maurício Santoro é carioca e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio (Iuperj), professor-adjunto do departamento de Relações Internacionais da UERJ, onde integra o Núcleo de Estudos sobre a China. É integrante do conselho de política e comércio exterior da Associação Comercial do Rio e do conselho consultivo do centro de políticas públicas Araripe.