Desde o começo da pandemia, há cerca de um ano no Brasil, venho sustentando a leitura de que a experiência sanitária mortífera que estamos vivendo em escala internacional promove efeitos traumáticos de ordem individual e social ao mesmo tempo. Isso porque uma pandemia põe em risco a vida de todos nós como sujeitos individuais que somos, mas também a própria ordem social como um todo, pois os laços e relações sociais são desconstruídas de forma radical.
Daí por que a recessão econômica e mesmo a depressão econômica desarticulam inteiramente o tecido social, promovendo desemprego em massa, assim como restrições de todas as interações sociais. Não é por acaso, então, que, ao lado das mortes e contaminações provocadas pela pandemia, ocorre também a produção de inúmeras perturbações psíquicas que concernem ao campo da saúde mental, tais como: pânico, depressão, melancolia, incremento do uso de álcool e drogas, aumento de violência doméstica, assim como aumento de suicídios. Ao lado disso, o acúmulo de cadáveres à nossa volta, que são enterrados de forma indigna, impede que realizemos o trabalho de luto face a esses mortos sem sepultura.
É claro que os efeitos nefastos da pandemia são de ordem internacional, mas certamente os traumas coletivos e individuais variam marcadamente, em decorrência de como os diferentes governos protegem os seus cidadãos em face do imponderável da pandemia.
Assim, os governos negacionistas dos imperativos da ciência, como o governo brasileiro com Bolsonaro, expõem as suas populações à barbárie anticivizatória, promovendo assim o genocídio e a necropolítica em alta escala. É a isso que estamos expostos no Brasil hoje, sob Bolsonaro, que nos conduz à morte coletiva, como nos tempos funestos do holocausto nazista.
Por tudo isso, apoio a carta aos brasileiros da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, que manifesta a indignação dos psicanalistas em face dos desmandos do Governo Bolsonaro.
Joel Birman, psicanalista e professor da UFRJ, autor de “O Trauma da Pandemia do Coronavírus”, publicado em 2020 pela editora Civilização Brasileira. Tem vários livros publicados no Brasil e no exterior e foi vencedor de três prêmios Jabuti.
Foto: Reprodução ONG Rio de Paz