Possivelmente, todos os que estão lendo este texto já compraram algo pela internet. Já trocaram cumprimentos ou ofensas pela internet. Já ganharam amigos ou desfizeram amizades pela internet. Ouviram confidências e compartilharam inconfidências, receberam notícias ou avivaram lembranças — tudo nesta outra dimensão, a do ciberespaço.
Aqui também expuseram a intimidade e o almoço de domingo, comunicaram a mudança de endereço e de estado civil, celebraram nascimentos e lamentaram perdas. O ciberespaço tornou-se o habitat do nosso eu virtual. Para muitos, já é mais casa que a própria casa, tão vida quanto a própria vida.
E o que fazer quando se perde um amigo virtual? Quando alguém que nunca existiu senão como postagem, comentário ou fotografia, sai do ar? Não por ter se cansado das tretas, mas porque a conexão caiu para sempre, a conta foi desativada pelo Grande Zucka que tudo sabe e tudo vê, lá do alto da Nuvem — e agora tem por navegador não o Chrome ou o Firefox, mas Caronte?
Não há, que eu saiba, protocolos a respeito. Desfaz-se a amizade? Mantém-se o amigo apenas na memória e visita-se seu perfil de tempos em tempos, como quem deixa flores sobre uma lápide?
Aquela conta ativa, confesso, me assombra. Como me assombrava encontrar, na memória do celular, o número de telefone do meu pai.
Não enterrei meu pai no dia em que ajudei a depositá-lo num túmulo — mas quando, anos depois, apaguei seu número na lista de contatos.
Desfazer a amizade virtual não é romper, postumamente, uma relação, mas quebrar um linque. Fechar um ciclo. Assumir que não haverá mais mensagens inbox, nem curtidas ou coraçõezinhos. Que não é preciso comentar o que o outro não lerá.
Mas dói clicar no iconezinho e abrir espaço para um novo amigo (no mundo virtual, nem sempre cabe mais um). Tanto quanto dói saber que, daquela lista de quase 5 mil, uns tantos estão definitivamente fora de área, em outro domínio, off-line forever.
Vocês ainda não eram nascidos, mas houve um tempo em que, periodicamente, se atualizava um livrinho chamado “Agenda Telefônica”. Era um acerto de contas, uma forma de passar a vida a limpo. Excluíam-se os ex-amores, os nomes que já não nos ligavam a pessoa alguma, os números anotados no calor da hora e que — observados friamente um ano depois — já não contavam.
Hoje há cada vez menos ex-amores a deletar, e mais amigos mortos — reais ou virtuais. Aqueles que só conhecemos por palavras, aqueles cujos abraços (como disse o Corvo), “nunca mais”.
Desfazer a amizade? Não sei. Talvez seja uma forma de processar o luto. Depositar uma moeda sob a língua, colocar pedras sobre os olhos. O jeito de, no ciberespaço, dizer “vá em paz”.