Desde os primeiros dias da pandemia de Covid-19, de jornalistas a políticos, de cientistas a entusiastas das artes e do entretenimento, há um veredito em comum: o setor de eventos foi o primeiro a parar e vai ser o último a retornar. Configura-se assim, infelizmente, esse como o setor econômico mais afetado em todo o País.
Nesta semana, foi aprovado, na Câmara dos Deputados, o PERSE – Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos, de autoria do deputado Felipe Carreras, de Pernambuco. O PL 5638 prevê o parcelamento de débitos de empresas do setor de eventos com o fisco federal, entre outras medidas para compensar a perda de receita em razão da pandemia. Ainda haverá de vencer a aprovação do Senado e a sanção do Presidente da República pela frente. O Projeto de Lei — se realmente vingar e sem as habituais desidratações — será apenas uma singela ajuda num cenário de severa devastação e servirá somente aos que sobreviverem até lá, é claro; de efeito prático, nada significativo. Entretanto, olhando o copo meio cheio, esse episódio traz um simbolismo muito importante, um sinal de esperança.
O reconhecimento da pujança do setor de Eventos, seja pela ordem econômica ou emocional de uma sociedade, assim como sua preservação, é uma realidade em países de todas as partes do mundo. Os eventos são onde as pessoas se encontram, festejam, casam, vivem as melhores partes de suas vidas. Acredito que seja o coração do nosso corpo, onde moram as emoções e boa parte da felicidade humana numa sociedade.
A indústria dos Eventos, seus conteúdos musicais, esportivos, educativos, culturais, sociais, a economia criativa, somados aos atrativos turísticos de uma cidade, hotelaria e toda a cadeia que se beneficia, corresponde a um PIB cada vez mais relevante, algo em torno de 9% no Brasil, segundo o Ministério do Turismo. Não se trata mais de opiniões isoladas — é estatística. Há tempos, deixamos de ser o “primo pobre” para sermos vistos como indústria ecologicamente limpa, promotora de inclusão social e vitrine para o turismo nacional.
“Pela primeira vez, o setor de entretenimento não foi tratado como invisível e teve o reconhecimento da Câmara dos Deputados”, disse o deputado Felipe Carreiras. Concordo absolutamente. Não o conheço, embora tenha acompanhado de perto a incansável dedicação na construção desse projeto, assim como a articulação e o diálogo com as lideranças do setor. Merece ser parabenizado e reconhecido. Neste emaranhado de Brasil com covid, só a sensação de que alguma coisa boa finalmente acontece já é positiva e deve ser comemorada.
Na minha área de promoção de shows e festivais de música, costumo dizer que, quando alguém marca a data de um evento e o anuncia, é uma espécie de sequestro. Ficamos reféns de toda a sorte de burocracias, legislações que se contradizem, prazos descombinados nas diferentes esferas — que são literalmente inexequíveis — , os mais variados tipos de órgãos de controle, corrupção e a total falta de comprometimento com a atividade econômica.
Do outro lado, a data do seu evento vem se aproximando… Você, que deveria estar pensando em como melhorar a experiência do seu cliente, artista e as marcas que participam, está preocupado com a burocracia e o temor de que poderá ser impedido, às vezes faltando 48 horas ou até mesmo no dia de seu início. Tudo isso afugenta novos investimentos, gera insegurança jurídica e prejudica o ambiente de negócios.
Sem contar as nossas “jabuticabas”: a meia-entrada talvez seja a maior delas. Nada contra a política pública da meia-entrada, mas simplesmente não faz sentido nenhum que “apenas” a iniciativa privada pague essa conta. Em país nenhum, funciona dessa forma. E, no próprio Brasil, são inúmeros os exemplos de setores (o transporte público do Rio é um deles), onde o governo subsidia o valor que quer oferecer à população ou a classes específicas a partir de suas políticas públicas. Para o caso dos eventos, é uma política predatória e injusta. Acredito que, principalmente em função do estrago da pandemia no setor, seja o momento de reabrir esse diálogo e conscientizar os políticos e a sociedade para esta necessária reforma.
Tal invisibilidade que o deputado expõe é um retrato que vem mudando, assim como a sensibilidade de legisladores, governos e órgãos para a importância de reformar o ‘mindset’ para com este setor. Tenho absoluta convicção de que o processo de reconhecimento tem avançado em função, especialmente, da mobilização articulada, profissional e organizada de empresários, microempresários e empreendedores dessa indústria, através de suas entidades representativas.
No Estado do Rio, a APRESENTA (Associação de Promotores de Eventos do Setor de Entretenimento e Afins), de que sou um dos fundadores e atuo no Conselho de Administração, acredito que tenha sido um divisor de águas nesse capítulo, reconhecendo aqui outras, como a Associação Brasileira de Promotores de Eventos (ABRAPE), Associação Brasileira de Empresas de Eventos (ABEOC), que vêm desempenhando um trabalho inestimável para a legitimação do setor, que, no passado, já foi visto como informal ou menos importante.
Que esta nova leitura desse ambiente empresarial e o reconhecimento da Câmara dos Deputados, nessa última semana, tenham sido os estímulos que provoquem a inflexão nesse olhar e inundem de conscientização os parlamentares e executivos para as reformas necessárias. O objetivo é oferecer melhores condições nesse campo econômico — que é, nada menos, que o coração do corpo social de uma nação, a esperança de que o melhor ainda está por vir.
Claudio da Rocha Miranda Filho é empresário do setor de Eventos, cofundador do Brazil Music Conference e Rio Music Carnival, conselheiro da APRESENTA (Associação de Promotores de Eventos do Setor de Entretenimento e Afins) e diretor artístico no Rock in Rio.
Por Acyr Méra Júnior