Encarar a pandemia, até hoje, tem sido muito difícil. Assim como a maioria das pessoas, pensei que isso seria uma fase, mas já estamos vivendo essa nova realidade faz um ano, e ainda temos um longo caminho pela frente. Vivo um misto de sentimentos. Tem dia que sinto vontade de levantar, produzir, criar conteúdo para os meus canais, dar a minha aula online; em outros, fico triste, mais reflexiva e grata por todos os privilégios que tenho, mesmo diante do cenário caótico que me fez enfrentar a maior perda da minha vida: meu pai.
Por mais que, às vezes, me sinta “impotente”, vi nisso tudo uma grande oportunidade de compartilhar os conhecimentos e aprendizados adquiridos durante os meus 25 anos como Primeira Bailarina do Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio e cinco anos como madrinha do Ballet Manguinhos. Como muita gente já havia me pedido e sugerido, resolvi dar aulas online para pessoas que ainda não se sentem aptas ou seguras de fazer aula presencialmente.
Já estou indo para a sexta semana do “Master Class Claudia Mota”, no qual dou aulas de ballet por um valor simbólico. Em paralelo, também atendo algumas escolas para workshop online. Um outro projeto, ainda no “papel”, tem me levado a criar, produzir e pensar o “Diário da Bailarina”, onde contarei fatos e curiosidades sobre a minha carreira, desde como estou encarando a pandemia, os figurinos, as sapatilhas, as maquiagens, as histórias, até o preparo para um espetáculo.
Tivemos que nos reinventar. Não estou conformada e ainda não me sinto devidamente adequada. A minha profissão exige um lugar, um espaço específico. A partir dele, vou para o palco. Não tenho como usar a minha casa para fazer o que a minha profissão exige, e não dá para me apresentar. Gravo alguns vídeos de liberdade de expressão, movimento, criatividade, interpretação, improvisação, mas isso são conteúdos pontuais. A gente não tem que aceitar que esse é o novo normal, na verdade, para mim é completamente surreal o que estamos vivendo. Sou bailarina, preciso do palco para expressar a minha arte, para respirar tudo aquilo que vivo desde criança. Não sou e nem sei ser outra coisa.
De alguma forma, uso esse momento para parar, pensar na minha vida, em tudo o que vivi – o que valeu a pena, o que não valeu e o que está valendo. Tento tirar o positivo do que estamos vivendo. Estar com a família, por exemplo, mesmo que dessa forma, é um grande motivo para agradecer. Consigo me manter da minha arte, fazendo o que amo; isso também me conforta.
Acredito que o pior já passou. Hoje, temos a vacina! Mesmo que em ritmo lento, isso me dá esperança de voltarmos à vida normal de verdade. Estou vivendo um dia de cada vez, me exercitando em casa, mas sem a minha rotina normal de seis horas diárias, fazer aula, ensaiar e ir para o palco dançar. É impossível manter o meu estado físico com uma aula em casa. Já perdemos a nossa forma física, a nossa rotina — não existe bailarino em forma fazendo aula em casa. O nosso corpo sente, o meu sentiu muito. Teremos que voltar aos poucos.
Fiz uma única apresentação durante a pandemia, que, de certa forma, me deu uma injeção de ânimo para seguir; foi emocionante. Não tenho feito aula no Theatro porque está fechado, e só retornaremos quando sentirmos segurança, e o Estado liberar o espaço. Sigo a minha vida dentro de casa, e sei que terei que ter muita paciência quando retornar porque terá que ser de forma gradativa, sem empolgação, mesmo estando no meu espaço profissional, com toda a estrutura que a carreira exige.
Enquanto isso, acho muito importante que a gente tenha alguma forma de interação com a arte. A pandemia, entre tantas lições, veio para reafirmar que a arte, a cultura de um modo geral, são de extrema importância para a vida. Com certeza, este momento me deixa muitos legados, como empatia. Para quem não deixar nenhum, não entendeu nada. O caminho é pensar que falta só mais um pouco e continuarmos sendo pacientes. Continuaremos lutando pela dança no Brasil, porque ela salvou muitas vidas, a arte em si salvou e continuará salvando. Quero sair mais positiva e mais confiante naquilo em que acredito, que é a arte no Brasil.
Foto: Carol Lancellotti
Claudia Mota é primeira bailarina do Municipal desde 2007. Pela atuação em Giselle, foi diplomada melhor bailarina da América Latina, pelo Conselho Latino-americano de Dança. Costuma dançar como convidada em companhias internacionais e tem feito intercâmbio com o Dortmund Ballet, na Alemanha.