Não há como comparar as agruras de quem é vítima de preconceito, mas, se você acha complicado ser alvo de alguma discriminação, experimente ser velho(a). Exibir rugas e demais sinais de uma vida iniciada há mais de seis décadas exige coragem e atitude.
Desrespeito, deboche e impaciência são constantes no cotidiano dos idosos; o mundo, especialmente o virtual, pode ser bem hostil. Quem frequenta as redes sociais sabe da enxurrada de insultos a pessoas de idade que se atrevem a expressar suas opiniões. Há sempre alguém desqualificando-as sob a acusação de senilidade. É comum que ilustres anônimos sintam-se autorizados a chamar de caquético, esclerosado, caduco gente com vasta folha de serviços prestados à sociedade. A experiência e a competência, acumuladas ao longo de anos de trabalho e estudo, são depreciadas por quem considera sua juventude o único requisito para chancelar ideias.
É impressionante a falta de cerimônia com que muitos mandam calarem-se pessoas que deveriam ser escutadas. A alegação de que a idade compromete o raciocínio é sempre a arma para causar constrangimento e emudecer longevos.
Essa mesma gente não se sente tão afoita para usar desaforos que façam referência à cor da pele, quando polemizam com um negro. Esses tipos pensam duas vezes antes de expressar seu desapreço pelos gays, ou de ironizar mulheres que reclamam de assédio, violência e discriminação salarial. Não ousam extrapolar na grosseria, como fazem com idosos. Temem a desaprovação ou o peso das leis.
Se você tem mais de 60 anos, seus detratores começam e encerram as discussões acusando-o(a) de “velho(a) gagá“. Não importa quão qualificado você seja — sua opinião pode ser invalidada com um definitivo “Cala a boca, velho(a)” — muitas vezes, seguido de adjetivos mais contundentes, como idiota, imbecil, decrépito.
O que faz com que o preconceito contra a idade seja exercido tão despreocupado com o julgamento social? Seria a supervalorização do vigor e beleza da juventude? A presunção de que a velhice impacta negativamente na vida dos outros? O custo socioeconômico atrelado à longevidade?
Há mais o que pensar. Vejamos os negros. Eles se unem, assumem sua negritude, reconhecem as causas dos seus problemas e exigem, reunidos em movimentos, que a sociedade não se exima de suas responsabilidades para mitigar as consequências do preconceito sofrido. Tomam para si a tarefa de lutar, reconhecem-se como negros e sentem orgulho da sua luta. Mulheres e gays, idem. Eles dão nome e cara ao preconceito que os diminuem; não pensam em deixar barato as agressões.
E nós, os velhos, que fazemos? Fingimos que não somos velhos. Somos os primeiros a abominar nossa condição. Nosso lema é “velho é a mãe”, velhos são os outros. Odiamos a velhice da mesma forma como o fazem nossos agressores.
Somos expurgados do mercado de trabalho, mas fazemos vista grossa. Somos acusados de ser um peso para a família, onerosos para a sociedade, mas não nos mexemos para apontar falácias. Somos ridicularizados socialmente e seguimos fingindo que não entendemos. Escolhemos ignorar, esperando o quê?
Um preconceito exercido também por suas vítimas, sem um nome forte e definitivo, vai prosperar impunemente. Como o nomeamos? Há alguns termos: idadismo, gerontofobia e, até, ageísmo, emprestado da língua inglesa. Há alguns e não há nenhum. Todos sabemos o significado de palavras como feminismo, machismo, homofobia, porém, no caso da velhice, cadê a palavra?
A maior ameaça vem de nós mesmos, da nossa rejeição à velhice. Vamos seguir alvos de uma sociedade que não economiza crueldade conosco. Seremos incapazes de ensinar a nossos filhos e netos o devido respeito às gerações que os antecederam. Vamos ser vítimas desse preconceito sem nome.
Marta Pessoa, paraibana e carioca, viciada em livros e Internet, detentora de vários títulos de ex (professora, empreendedora, matemática, computeira, palestrante de TedX). Autora de “Zignau”, escrito com ironia e acidez, sobre as agruras de quem precisa impor-se frente a uma sociedade que não perdoa a velhice. “Zignau”, lançado em novembro/2020, está à venda na Amazon ou pela Editora Batel.