O STF julgou esta semana o “direito ao esquecimento” — e o considerou inconstitucional.
Droga! Há tanta coisa que, mesmo escrita a caneta, mesmo gravada no granito, eu queria que pudesse ser esquecida. Mais que isso: que pudesse nunca ter existido, num apagamento a laser, num sumiço quântico. Sem deixar pista nem rasura.
Todos os micos, reais e supostos. As cantadas que não vingaram, as desculpas que viraram farrapos, as inconfidências a quem não devia, a intimidade com quem não conhecia. Tudo zerado, numa indulgência plenária. Como no uotizape, apagado para todos.
Só o Fachin me entende (o resultado no STF foi 9 x 1, e esse um era ele).
Talvez ele tenha fotos com calça grená, boca de sino. Um 3 x 4 usando costeletas. Talvez tenha escrito bilhetes de amor (ridículos!), cometido sonetos, deixado dedicatórias em livros alheios, mandado cartões postais dizendo que estava ali, mas o coração permanecia acolá.
Talvez tenha feito pior: enviado cartas de amor — datilografadas. E dizendo esperar que, por trás daqueles frios tipos de metal, alguém pudesse para sentir o calor do amor que os unia.
Ele deve ter seus esqueletos no armário, seus morcegos no sótão. Atrás daquele bigodinho de Zé Trindade, também bate um coração.
Se há coisas que, sendo legais, não são legítimas, haverá as que, inconstitucionais, deveriam ser cláusula pétrea da Constituição. O esquecimento, a anistia completa dos furos que deixamos vida afora, essas lembranças do passado que voltam sempre a nos enfeitiçar.
Devia nos ser garantido, na Carta Magna, o “Format C:” nos tropeços, nos vacilos, nos maus passos. Mesmo que não servisse para mudar o presente, o passado ficaria mais habitável.
O problema é que o esquecimento nos deixaria rombos na memória. Os outros não se lembrariam do que fizemos no verão passado — nem nós! — e estaríamos condenados a repetir o mesmo crime (uma contravenção, que seja) quando o verão chegasse e o calor nos armasse a mesma cilada.
Todos os dias seriam o Dia da Marmota. E seríamos nós essas eternas marmotas, esses perpétuos jacus, sem redenção possível porque ignorantes dos erros pretéritos.
É preciso nos conformar ao falseamento das lembranças, às lembranças encobridoras. Armar bloqueios contra os pensamentos invasivos, esses cobradores de impostos atrasados. Porque o direito ao esquecimento seria também uma sentença de repetição.
Eu tenho uma foto com sapato bicolor, sola “Cavalo de Aço”. Outra com camisa de manga curta — e a manga curta arregaçada. Haverá, em algum lugar, uma foto minha com sunga cavada. Já postei — e depois apaguei — uma em que estou de sapatos pretos e meias brancas. Houvesse o direito ao esquecimento, e eu talvez ainda tivesse uma coleção de meias coloridas. Gravatas com estampa do coelhinho Pernalonga. E-mails digitados no Word, pedindo que alguém sentisse, por trás da frieza desse processador de texto o calor do amor etc.
O STF me salvou.