A partir de uma pesquisa informal que fiz com minhas seguidoras do Instagram, descobri que a grande maioria não empreende e não se coloca à frente do seu negócio por vergonha, medo, ou, como eu chamo o “combo”: “medo de passar vergonha”, que é a vergonha da vergonha que ainda nem aconteceu. Nossa vida é forjada por aquilo que enxergamos, e estamos com a mente tão poluída de imagens escritas e fabricadas por homens que, de fato, quando precisamos exercer nossa própria autorrepresentação, sentimo-nos perdidas.
Afinal, se não somos nós que estamos escrevendo e dirigindo nossas próprias histórias, qual a nossa referência sobre o que é ser mulher? Basicamente, estamos tentando nos encaixar em um papel que foi criado artificialmente para nós, e por isso, sempre inadequadas a ele.
Considero facílimo me esconder debaixo da beleza das palavras em uma prosa poética, revelando qualquer coisa íntima e pessoal somente para quem estiver com o olhar especialmente atento para me decifrar. Agora, falar diretamente sobre mim e minha história com o assunto da autoimagem pode ser particularmente desafiador e até doloroso. Falo aqui da minha perspectiva pessoal sobre a questão da representatividade e representação da mulher na mídia.
Do ponto de vista acadêmico, para mim, é muito fácil trazer dados — 84% dos diretores e 74% dos roteiristas brasileiros de cinema são homens brancos, por exemplo. Ou então dizer que, em 42% dos filmes de grandes bilheterias, não existem diálogos entre duas personagens mulheres.
Mas como isso afeta nossa vida real diretamente? Eu me aprofundei no assunto e identifiquei que muitas mulheres, mesmo com muitas formações, acumulando cursos e cursos a respeito de suas áreas de atuação, não se colocam no mercado como lideranças — julgam-se incapazes de assumir tal posição e não acreditam no próprio potencial. Isso justifica, em parte, a vergonhosa discrepância de níveis salariais entre homens e mulheres ainda existente em todas as áreas profissionais.
Eu mesma sempre digo que sofri fisicamente com isso, pois, por muitos anos, suava frio para fazer uma apresentação, minha garganta fechava ao menor sinal de que eu teria que falar em público e eu tinha vergonha até mesmo de levantar a mão pra dar minha opinião em um seminário, sem falar na minha história clássica de quando desmaiei na sala de aula do colégio, quando apresentava um longuíssimo texto de minha autoria sobre a saga Harry Potter.
Meu ponto de virada foi quando percebi que essa timidez e falta de confiança estavam me impedindo de ser quem eu era e me causando uma enorme tristeza, quando eu decidi que iria investigar a fundo esses sintomas e combatê-los na causa. São incontáveis as experiências que passei em busca dessa confiança e foco pelo qual hoje sou reconhecida, desde formações em meditação, retiros de silêncio, práticas de circo e palhaçaria até treinamentos pesados como o de atores pelas mãos da preparadora Fátima Toledo.
A verdade é que somos contadores de nossas próprias histórias. E, a partir do momento em que consegui me assumir protagonista da minha narrativa, minha vida mudou. Por isso, eu acredito na potência da autorrepresentação da mulher. Para que mudanças essenciais aconteçam na sociedade, é primordial que novas narradoras contem suas histórias. Desejo um futuro em que as meninas possam se ver e se espelhar em grandes personagens femininas representadas pela mídia. E que assim passem a acreditar que podem ser tudo o que quiserem.
Amanda Palma, 31 anos, é carioca e criadora da “Jornada das Heroínas” (@jornadadasheroinas), método em que ensina grupos de mulheres a empreender. É também cineasta, mestranda em Cinema pelo IMACS — International Master in Cinema Studies, e dirigiu documentários como “As Mulheres e a Copa” (2014), “Contra-Cultura do Estupro“ (2016) e “Virada de Jogo”, realizados pela ONG — Casa da Mulher Trabalhadora do Rio e ONU Mulheres.