Conta uma fábula árabe que as mariposas queriam entender sobre a luz. Elas desejavam saber o segredo de se sentirem tão fascinadas pela chama de uma vela. O que as deslumbrava? Seria a luz ou o calor?
Pediram a ajuda da mariposa-rainha. Depois de meditar sobre o assunto, ela aconselhou que cada uma, individualmente, procurasse encontrar a resposta. Todas saíram procurando desvendar o segredo do fogo. Passado algum tempo, uma mariposa voltou cega de um olho, afirmando que havia chegado perto demais e que a luminosidade da vela a ofuscara e que continuava sem entender os mistérios da luz. Outra voltou com uma asa queimada, reconhecendo que sua experiência não fora satisfatória.
Por séculos, as mariposas não entenderam por que a luz extasiava-as tanto. Até que, um dia, uma voou na direção de uma lamparina, com tanta determinação, que morreu queimada. Nesse dia, a mariposa-rainha falou: “Somente essa mariposa conheceu o mistério do fogo, mas nós nunca saberemos.”
Esse antigo ditado, que não se sabe bem a que época remonta, fala da posição subjetiva que algumas pessoas, frequentemente, apresentam em suas relações. Trata-se de uma dificuldade para assumir a responsabilidade sobre si mesmas, uma insegurança, uma alienação quanto ao lugar ocupado na cena do mundo.
São pessoas que estão sempre à procura de alguém com quem se identifiquem, por idealizar a posição de poder, de potência que no outro vislumbram. Elas não conseguem enxergar e tirar proveito da luz própria que, certamente, cada um traz de sua história. São inseguras, têm a autoestima denegrida, não acreditam em si mesmas.
De onde vem esse sentimento de menos-valia que, no entanto, promove um gozo, uma satisfação, um ganho no sofrimento, na autoacusação, na certeza amarga de não poder ser mais que uma mariposa girando em torno do brilho atribuído ao outro?
Muitas pessoas carregam da infância as inseguranças tecidas no convívio com a família. São pessoas que se percebem desfavorecidas do amor dos seus pais, não podendo ultrapassar o sentimento de solidão e abandono, passando a ocupar um lugar de conforto, porém, nas sombras. Por isso mesmo, essas pessoas transferem para aqueles que escolhem como figuras idealizadas de si mesmas a luz que não se autorizam a fazer brilhar. Isso, porém, tem um custo.
A metáfora da mariposa ilustra bem o fato de que as inseguranças — isso que brota de uma baixa autoestima — tem consequências funestas na vida desses indivíduos, porque impedem que se tenha a dimensão da potência que se poderia desenvolver e dar frutos. Mata-se a possibilidade do sucesso em nome do medo do fracasso.
Sustentar a diferença do brilho próprio, de um posicionamento firme diante das exigências da vida não é tarefa fácil! A procura da luz de sua estima implica despojar-se dos confortos, das facilidades, dos atalhos que a presença de um “pastor” oferece às suas “ovelhas”. Assim como as mariposas, que sempre morrem queimadas pela luz que veneram, as ovelhas são tosquiadas pelo pastor em quem confiam.
Como você quer se posicionar: uma luz ou uma mariposa?
José Nazar é psiquiatra e psicanalista. Acaba de completar 45 anos de profissão e está lançando o filme “Só depois”, onde conta sua trajetória e a chegada da psicanálise lacaniana ao Brasil, da qual foi o principal propagador. Fez mestrado no Instituto de Psiquiatria da UFRJ; fundou a Escola Lacaniana de Psicanálise Rio, Vitória e Brasília; e é editor-chefe da Companhia Freud Editora.