Referência pra mim em tudo, com histórias tão variadas e, às vezes, surreais que aqueles que não o conheciam de perto talvez duvidassem de sua veracidade, mas nós, que tivemos o privilégio de conviver com ele, sabemos que se ele pecava ao recontar os casos, era por omissão, e não excesso.
Como mostra uma das fotos, quando invadiu o campo na comemoração do título nacional de 80, nunca conheci alguém tão apaixonado por uma instituição quanto meu avô era pelo Flamengo. Em seus 77 anos como sócio do clube, comemorou todos os títulos que poderia imaginar e, ainda assim, o via falar mais do tricampeonato carioca de 42/43/44 do que do Mundial de 81. É claro, esses títulos solidificaram sua paixão e fizeram um jovem quebrado de 13 anos gastar todo o seu dinheiro pra pagar a mensalidade do clube.
No Flamengo, foi vice-presidente de finanças, sócio emérito e remido, e mesmo quando a idade dificultava a locomoção, fazia questão que fôssemos votar juntos – juntos sempre, porque em um de seus diversos momentos de criatividade brilhante, me deu seu título de sócio-proprietário ainda na maternidade. Desde então, aguardou minha maioridade para que pudéssemos ir votar.
Na música, foi um amante do samba; trabalhou pra promover o que gostava pelo simples prazer de gostar. Com seu primo Eugênio Agostini, e os primos dele Renato e Fábio Agostini, seus amigos Cartola e Dona Zica, fundaram o Zicartola, marco na cidade do Rio e na história da música popular brasileira. Ele contava com sorriso histórias desse tempo — como quando, por sorte ou destino, chamou ao palco, pela primeira vez, um jovem sambista chamado “Paulo César”, depois rebatizado de Paulinho da Viola por Sérgio Cabral.
De um amigo sambista, Carlos Cachaça, veio uma das frases que mais repetia: “Vai todo mundo morrer!”, e isso sempre foi motivo o suficiente pra celebrar a vida.
Nos negócios, um visionário, trabalhador incansável. De um terreno pantanoso em Boa Viagem, junto de seus sócios, deram vida ao Shopping Center Recife, referência no Brasil, até hoje, no setor de shopping centers e motivo de orgulho há 40 anos pra cidade pernambucana.
Mais importante pra ele que tudo isso, era nossa família, que sempre fazia questão de reunir. Até eu ir para os Estados Unidos, jantávamos juntos todas as terças e almoçávamos juntos às sextas, e, até alguns anos atrás, encontrava-o na Guanabara ou Itahy, aos sábados e domingos, sempre com um whisky à cowboy, um chope e uma água com gás (“não se bebe água mineral na rua”).
Juntos, à mesa, contava histórias, piadas, ria, bebia, brigava e fazia as pazes. Já ouvi a expressão “bon vivant” para descrevê-lo, e essa, por vezes, parece uma crítica, uma reprovação à alguém que vive pelo próprio prazer. Se assim for, não se aplica em nada a meu avô; ele vivia por ele, sim, mas principalmente por nós, sua família. O que ele tinha e nos ensinou é outra expressão de sua amada França: “Joie de vivre”.
Um gigante maior que a própria vida, um exemplo pra mim e um amigo pra muitos, nos deixou na madrugada do dia 02, aos 90 anos. Ele se foi em casa, conosco, ouvindo seu amigo Cartola. Meu avô, até na morte, viveu bem e assim nos deu um último exemplo.
Descanse em paz, vô! Como você sempre recomendava, não farei nada que você não faria.
João Pedro da Costa Figueiredo é carioca, 25 anos, estudante de Gastronomia na CIA-The Culinary Institute of America, na Califórnia, voltou para o Brasil por causa da covid. Atualmente faz trabalhos para pequenos grupos como personal chef. Voltará para os USA, a fim de concluir a faculdade logo que tiver a vacina. Despedida do avô, Waldemar Coelho da Costa Filho, definido por ele no texto.