Para controlar a pandemia que enfrentamos, será necessário, além de uma vacinação em massa, um melhor entendimento dos fatores pelos quais a doença se manifesta de uma forma branda em alguns pacientes, mas leva rapidamente à falência de múltiplos órgãos e à morte tantos outros. Além disso, temos que aprofundar os estudos sobre quais tratamentos funcionam melhor e para que perfil de pessoas. Sabemos que, em pacientes com menos de 35 anos e com sistema imunológico saudável, há menos chance de complicações; por outro lado, diabéticos, obesos e hipertensos tendem a apresentar respostas imunológicas deficientes.
Na semana em que o Brasil chega a 200.000 mortes e sem uma perspectiva real do início da vacinação em massa, a palavra que melhor define o meu sentimento é desassossego.
Meu primeiro contato direto com a pandemia foi em março do ano passado, por ocasião do Congresso de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina; de lá pra cá, não foi possível ir a nenhuma outra atividade presencial. É claro que recorremos às videoconferências para manter a troca de conhecimentos e, graças a elas, as preocupações com as distâncias geográficas e com o espaço físico desapareceram. Ainda assim, é muito pouco, levando em conta tudo que perdemos.
Por mais que tomemos todos os cuidados que a situação atual exige, perdemos o contato humano, não sabemos mais como cumprimentar as pessoas e passamos a nos sentir isolados.
No meu romance “As Cores da Vida”, faço uma comparação entre a vida de cada um de nós e o retorno de Ulisses a Ítaca, após a guerra de Troia, como nos relata Konstantin Kavafis em seu belíssimo poema.
Ao marchares para Ítaca, deves rogar que o caminho seja longo, repleto de aventuras, repleto de conhecimento. Tenha Ítaca sempre em mente, chegar lá é teu destino. Mas não apresses nunca a viagem. Melhor que dure muitos anos.
Tenho alguns amigos de décadas, companheiros de viagem, com os quais costumava me encontrar com frequência para celebrar a amizade e partilhar experiências enquanto o nosso barco desliza inexoravelmente em direção ao seu destino. A pandemia fez com que a minha viagem se tornasse mais solitária, e não sei quando poderemos estar novamente reunidos no convés, em um dia de sol, sentindo nossos rostos acariciados pela brisa do mar.
Jose Ortega y Gasset dizia que “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim”. Por isso, não basta saber que estamos bem do ponto de vista individual. É preciso que as baixas que a covid está nos infligindo acabem, que voltemos a sentir que a vida de cada um de nós voltou a seguir seu curso normal, que o temor que as nossas jornadas sejam abreviadas deixou de existir.
Não tenho dúvida de que os esforços feitos no campo da pesquisa e da medicina acabarão por nos livrar dessa terrível doença. Até lá, devemos nos manter otimistas e lembrar que o nosso planeta já passou por outras crises e conseguiu superá-las.
Finalizando, deixo registrados meus agradecimentos às equipes de saúde, que, sabendo dos riscos que correm, renovam, a cada dia, os exemplos de humanidade, profissionalismo e coragem.
Almir Ghiaroni é mestre em Oftalmologia (UFRJ), doutor em Oftalmologia (UNIFESP), coordenador das Sessões Oftalmológicas do Centro de Estudos Copa Star.