30/10 — Minha irmã Lourdes, 55 anos, opera delicado e arriscado tumor cerebral em meio aos riscos da pandemia.
03/11 — Pablo e Carol, 28 anos, sobrinhos afilhados, entram em quarentena covid. Positivos.
11/11 — Minha mãe, Idalina, 77 anos, é internada com os primeiros sinais de covid. Quadro piora. Internada UTI Covid isolamento. Entubada. No quarto com previsão de alta, tem piora no quadro. Nova internação UTI. Novamente entubada. Traqueostomia realizada. 52 dias se passaram até a data presente.
20/11 — Minha irmã Conceição, 50 anos e cunhado Pedro, 61 anos, pais de Pablo, internados pela covid.
22/11 — Renan, 27 anos, sobrinho-afilhado, entra em quarentena covid. Positivo.
23/11 — Fátima, minha irmã, 55 anos, gêmea de Lourdes e mãe de Renan, internada pela covid. Quadro de Fátima piora e é transferida UTI Covid isolamento.
26/11 — Fátima transferida para a UTI, descobre que está ao lado do leito que mamãe está internada e descobre, escutando os delírios, as alucinações e as desorientações de nossa Mãe.
29/11 — Irmã Conceição de alta, entra hospital novamente para exames, com fortes dores musculares.
08/12 — Irmã Fátima de alta, interna novamente de urgência, forte crise renal. Cirurgia é realizada.
01/01/2021 — Ano Novo — Minha mãe segue internada há 52 dias, agora no quarto, em melhora clínica contínua. A jornada da reabilitação inicia.
No período de apenas dois meses, o meu núcleo familiar, mãe e três irmãs, todas estiveram na linha da vida. E nós, que sempre fomos fortemente unidos e disponíveis um ao outro, nos encontramos separados e isolados por internações, UTIs e pelo tratamento de radioterapia e quimioterapia.
Ao mesmo tempo, paradoxalmente à solidão, angústia e ao desespero, esse tem sido o momento em que mais estive rodeado de amigos, de pessoas de todos os lugares do mundo, conectadas através de inúmeras orações e de muita energia positiva. Uma comoção sem igual, exercício pleno de empatia.
E aí surgem as surpresas inimagináveis, como a descoberta da excelência do Hospital SAMCORDIS, em São Gonçalo, e do seu Corpo Clínico.
Indescritível a angústia, o medo, o temor durante todo esse tempo. A covid traz solidão e abalos psicológicos não somente para os doentes; traz também uma sensação de incompetência com que, poucas vezes, deparei. Ter uma empresa de Consultoria de atuação de liderança na América Latina há 20 anos, ter sido o mais jovem CEO da estrutura mundial da maior marca de Luxo do mundo, a Louis Vuitton, aos 30 anos e ter sido o primeiro latino-americano na posição de Embaixador Global de Marketing da EDS, nos EUA, foi muito por eu ter sido capaz de trabalhar arduamente para driblar as adversidades, os obstáculos, o vento contrário.
Sendo de São Gonçalo, o segundo maior munícipio do Rio e um dos mais pobres, de família portuguesa imigrante, sem recursos e não ter tido a chamada educação elevada diferenciada e formação internacional, demandou muito esforço de superação de minha parte. De repente, estou eu em São Gonçalo novamente, diante do maior desafio da minha vida e dependendo exclusivamente de “outros”.
Parei toda a minha intensa dinâmica profissional em SP, viagens nacionais e internacionais canceladas. Projetos interrompidos, pausados ou postergados em pleno final de ano. Minhas três iniciativas empresariais passaram a ser gerenciadas e lideradas pelo meu time. E a minha prioridade se tornou lutar a guerra da covid — a guerra pela vida: a vida das minhas irmãs e da minha mãe. Há 60 dias, estou completamente dedicado a cuidar das minhas “meninas”.
Eu internei todas, estive com todas. Estive sozinho durante dias, gerenciando o drama familiar nos hospitais e, na maior parte das vezes, ao telefone com os plantonistas das UTIs, contratando médicos assistentes e tentando entender o que poderia fazer. Noites sombrias. Dias longos. Lacunas de informações.
A covid gera a dor do isolamento e do afastamento, e a impressionante velocidade da deterioração do corpo de quem é acometido. Em janelas de intervalos de poucos dias, minha mãe e irmãs saíram dos sintomas fracos para transferências em UTIs, entubação, criticidade extrema. E o pânico crescente teimava em dizer que não venceríamos a covid, mas a minha voz interior gritava: “Venceremos!” Junto aos efeitos físicos e emocionais da covid, começou o tratamento de radioterapia da irmã Lourdes, onde eu a tenho levado a todas as sessões diárias.
O meu tempo foi totalmente ressignificado nesse período. Vivo a mais dura das incertezas da minha jornada de vida.
Tudo tem sido tão devastador que enxergar o positivo, tentar entender o que aprender de tudo isso, manter o equilíbrio, a serenidade, a paz interior… foi, sem dúvida, o mais complexo desafio que já enfrentei. A vontade de chorar, se rebelar, se desesperar foi brutal. Mas, no meio da tempestade, todos os meus anos de pensamento e inteligência estratégica profissional foram essenciais para me manter no controle — encontrar caminhos, ter as reflexões apropriadas e o equilíbrio para decisões. Essas têm sido experiências e vivências únicas e, ao mesmo tempo, transformadoras; emoções como nunca à flor da pele. Tristeza. São muitos os aprendizados e as surpresas, como disse anteriormente.
Humildemente reconheço que pensei muito em transferir minha mãe e irmãs para hospitais de outras cidades, com nomes mais prestigiados no cenário nacional. Essa tormenta me deixou inquieto durante dias. Você é tomado por uma sensação de que precisa fazer mais, tem que fazer mais, buscar o melhor.
Eu, que moro fora de São Gonçalo há mais de 30 anos, que ganhei o mundo e moro na capital mais relevante da América Latina, São Paulo; e que mantenho as minhas críticas à cidade de São Gonçalo por não evoluir, não crescer, não se atualizar, não tinha como não duvidar do hospital onde estavam. Estava errado e, ao mesmo tempo, feliz em afirmar o que mais trabalho na minha trajetória profissional: pessoas. São capazes de transformar e, quando se dispõem a ir além, nada consegue detê-las. Afirmo que o SAMCORDIS, Hospital do Coração em São Gonçalo, conseguiu me surpreender, algo que geralmente é difícil, uma vez que trabalho e sou especialista justamente em “encantamento e excelência”.
Tive a oportunidade de falar com o diretor clínico, Felipe de Moura Lopes, e poucas vezes fui surpreendido por um nível impressionante de profissionais comprometidos: recepcionista, enfermagem, limpeza, copa, médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas… Confesso que foi uma pancada que eu levei. E foi transformador. Humanização as deixa marcas eternizadas na alma, na gratidão. Dr. Felipe foi impecável durante todo esse tempo — no trato, na abordagem, no cuidado da fala e na disponibilidade, mesmo que, muitas vezes, em breves conversas e trocas, mas sempre preciso e atencioso. O Dr. Fabricio, cirurgião torácico que fez a traqueostomia em minha mãe, foi exemplar. Lilian, a fonoaudióloga, especial na condução. E a jovem médica Laryssa dos Santos Pinho, recém-formada, segue me impressionando pela atitude, a segurança, a determinação do foco na solução. Direta. Objetiva. Precavida. E com trocas contínuas diárias. Incansável.
São muitos os aprendizados. Muitos. E muitos eu ainda reconhecerei.
Para quem não tem fé, o deserto de todo esse sofrimento é bem mais árido. A oração é a experiência mística que vai além da técnica, da ciência, da medicina e a mais importante fonte de conexão entre pessoas, sendo mais forte do que qualquer rede social. Nesse período me mantenho em orações diárias com minhas irmãs, amigos, e são muitos os grupos de orantes espalhados em diversos lugares.
Rezar pelo outro, além do seu próprio problema e necessidade, é o exercício pleno da empatia — a covid gerou essa interação e despertou essa possibilidade de intercessão no mundo, no meu mundo.
A tristeza, a dor, o sofrimento… Isso passa. A resiliência, a determinação, a crença no Deus do impossível te fortalecem. O amor capacita e nos faz ir além de qualquer limite.
Paciência e calma são tão importantes quanto qualquer medicação.
Humildade em reconhecer que você precisa do outro. Do outro para te acalmar, do outro para rezar / orar com você… do outro para te ajudar…
Acreditar que é possível. Acreditar na medicina e nos médicos é essencial.
Nesse tempo, os dias são mais longos; as noites são traiçoeiras. Segundo o mitologista e escritor americano Joseph Campbell, “Noites escuras da alma”.
Na luta pela vida, enquanto há vida, não há pena de morte! E nessa luta, não há inimigos de religiões, crenças.
Entender que a sensação de que dominamos a dinâmica da nossa vida é mera ilusão.
E que todo o protagonismo profissional e pessoal que eu possuo teve que se tornar coadjuvante diante dos verdadeiros protagonistas: a covid e os médicos.
Se estiver atento, são muitas as pessoas que irão te surpreender estando ao seu lado e muitas vezes, muitos dos que você sequer esperava. Aqui a manifestação do carinho sincero é um remédio poderoso.
Você terá certeza sobre o poder da amizade, e os amigos que sempre fizeram a diferença seguirão sendo eles, os que irão continuar te surpreendendo.
A covid não é uma “gripezinha” — ela é feroz. Imprevisível, desconhecida. E não pega os mais velhos somente, e não apenas os que estão frágeis de saúde. Minha mãe teve os últimos 20 anos, plena na saúde e na disposição. A covid surpreende, dilacera e demanda responsabilidade, coragem e ousadia no enfrentamento. Sim, milagres existem.
Não se trata da citação de todos; calma, isso vai passar! Eu sei. A reflexão é: como passar por isso?
O exercício contínuo, doloroso e necessário de refletir sobre “por que estou vivendo isso?” e não “para que estou vivendo isso?”.
Dia 01/01/2021. Estou ao lado de minha mãe, no quarto 108 do SAMCORDIS. Nenhum lugar do mundo e nenhuma oportunidade teriam sido mais importantes do que estar aqui para iniciar o novo ano.
Já vencemos até aqui! Minhas irmãs, cunhado e sobrinhos/afilhados conseguiram. E minha mãe se torna a inspiração de que é possível lutar pela Vida!
E eu, digo e afirmo, qualquer prioridade profissional e pessoal pode ser alterada, e nada é mais importante do que lutar, com toda a veemência, por aqueles que definem quem você é na essência.
Carlos Ferreirinha é presidente da MCF Consultoria, fundadora da Bento Store | Líder da Abrael. Filho. Irmão. Tio. Padrinho. Cunhado. Amigo. Perseverante. Insistente. Coadjuvante no SAMCORDIS.