Completamos mais uma volta em torno do Sol. Círculo elíptico inevitável. Não foi possível parar a Terra, esfriar o Sol ou desviar a Lua. Assim, prosseguimos. Às vezes assustados, outras vezes confiantes. Entre o medo e a coragem, arriscamos tudo no grande vazio. Girando e nos transformando. Vidamorte, incessante movimento.
Entre nascer e morrer, há o viver. E antes do nascer, o que foi? E após o morrer, o que há? Questionamos. Seres humanos questionam. Não deixe a pergunta se calar. Não deixe de se maravilhar e procurar entender quem somos, o que somos e o que podemos ser. Será que, ao mudar as estações do ano, nós também mudamos?
Depois de um ano tão difícil como 2020, com o Coronavírus nos fazendo ficar em casa, o que será que temos que levar para 2021? Talvez, o que de primordial tenhamos que levar sejam as máscaras, o distanciamento social e lavar muito bem as mãos. Mas não como Poncio Pilatos, não como um “eu não tenho nada com nada a ver com isso”. Pelo contrário, assumir como isso faz parte de mim, da minha vida.
O coronavírus se apresentou e se espalhou desde o final de 2019. Continua causando. Será que neste 2021 teremos as vacinas capazes de nos proteger dos possíveis ataques das Covids? Sem saber, vamos girando. Dia e noite. Noite e dia. A cada instante tudo se transforma e nos transporta para o além. Além da vida. Além da morte. Com ou sem medo, com ou sem alegria, sendo bons ou sendo maus, vamos todos juntos, grudados pela força da gravidade, a um futuro incerto. Houve, algum dia, um futuro certo?
Podemos prever alguns fatores, vetores, mas não controlamos a Terra, o Sol, a Lua e os ventos. Não controlamos nossos impulsos e pensamentos. Não controlamos a fome, a miséria, o descaso, o descuido, os abusos, as discriminações e as violências. Convivemos. Coexistimos, lado a lado, com o bem e com o mal.
Então o que nós percebemos durante 2020? Somos um só corpo, uma só vida, como todos os seres humanos do planeta, os animais, os visons, os gatos…tantas formas de vida que também foram prejudicadas pelo Coronavírus. Levamos conosco para 2021 essa certeza de que estamos juntos, que somos, todos, a vida do planeta terra. E que podemos mudar as causas e condições que tornam tão difícil nossa existência.
Entretanto, quando podemos nos sentar em zazen, que dentro da prática zen-budista é a forma principal de meditação, deixamos de lado — ou para trás ou para adiante — todos os pensamentos: os bons e os maus. Apenas sentamos, Shikantaza. Ou seja: sentar-se para o nada. Nada além do sentar e respirar, ser, interser.
Será que continuaremos apenas sentadas observando os abusos e o destrato ao meio ambiente, aos indígenas, aos negros, às mulheres, aos mais fracos — que talvez sejam os mais fortes, pois suportam o frio, o calor e a fome e não morrem, não desaparecem? Permanecem.
Viver com mais simplicidade, com mais respeito a vida na sua pluralidade. Será que aprendemos isso? Eu gostaria que tivéssemos aprendido. Que a gente possa abrir esse 2021 com máscara, sim. Com distanciamento, sim. Com as mãos sempre muito bem lavadas e com consciência da nossa corresponsabilidade pelo futuro comum de todos nós.
Que em 2021 as tão esperadas vacinas cheguem a todo o recanto da Terra. Que todas as pessoas, em exceção, possam ser vacinadas, impedindo o alastramento e a continuidade da pandemia. Talvez esse 2021 seja o ano da vacinação, um ano ainda de distanciamento, com poucas aglomerações. Mas é a preparação para o que virá. A Natureza Buda manifesta da menor partícula ao maior espaço. Inter é. Ano Novo. Desperte! Mãos em prece.
Monja Coen Roshi, fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo Brasil (2001), é missionária oficial da tradição zen-budista Soto Zenshu, com sede no Japão. Teve sua formação inicial em Los Angeles, nos Estados Unidos, e completou o mestrado no Mosteiro Feminino de Nagoya, no Japão, onde praticou como noviça e monja oficial por 12 anos.
Foto: Genzo Sensei
Por Acyr Méra Júnior