Um crítico escreveu que Bebel Gilberto “concorre [ao Grammy] com pior álbum da carreira”. Não sou crítico, por isso evito dizer “esse é o melhor” ou “esse é o pior”. Digo “este é o de que gosto mais” (ou menos).
O disco da Bebel que ouço com mais prazer é “Tanto tempo”, lançado há… tanto tempo (duas décadas já!). “Agora”, o álbum de 2020, é muito gostoso — só não tem “Samba da bênção”, “So nice”, “Mais feliz”. Não é o pior — só não é o meu favorito.
Milton Nascimento fez algo melhor que “Minas” ou “Geraes”? Talvez os “Milagres dos peixes” – mas “Minas” e “Geraes” é que me transportam ao mais profundo de mim, ao menino de 17 anos que descobria o mundo. São o “meu” Milton.
Chico fez muita coisa — mas o “meu” Chico é o de “Almanaque”. Assim como o meu Caetano é o de “Circuladô”; meu Djavan, o de “Alumbramento”.
Minha Maria Bethânia é a de “Âmbar”, porque é de quando voltei para o Rio, e estava tudo aceso em mim. Minha Elis Regina é a de “Falso brilhante” porque foi quando a ouvi, pela primeira vez, com todos os graves e agudos a que tinha direito, e me dei conta de que nunca ouvira alguém cantar assim.
Foi assim com “Clara Crocodilo”, o meu Arrigo definitivo. Com “Pérolas aos poucos”, o meu José Miguel Wisnik. Com “Urubu”, o meu Tom Jobim (“Urubu” ou “Terra brasilis”? Não sei, talvez os dois). Com “Trem caipira”, o meu Egberto Gismonti.
Se eu fosse crítico, me valeria de critérios menos subjetivos. Apontaria anemia, mesmice, mornidão, falta de brilho. Mas não: eu simplesmente ouço com a imaginação; não uso a razão. (Isto é uma paráfrase do Fernando Pessoa, que não é melhor ou pior que Álvaro de Campos, Alberto Caeiro ou Ricardo Reis — é apenas o meu preferido. Dependendo do momento.)
Minha Adriana Calcanhoto é a da “Fábrica do poema”. Meu João Bosco, o de “Zona de fronteira”. Meu Gilberto Gil, o de “Quanta”. Meu João Donato, meu Dorival Caymmi... aí não tem como: são todos.
A Zizi Possi de “Todas as coisas”, a Monica Salmaso de “Alma brasileira”, a Ná Ozetti de “Estopim”, a Tetê Espíndola de “Gaiola”, a Gal de “Índia”, a Nana Caymmi de “”Renascer”, a Rosa Passos de “Recriação” (nunca lançado em CD…). O Uakti de “I ching”, o Wagner Tiso de “Baobab”, o Sá e Guarabyra de “Pirão de peixe com pimenta”, o Skank de “O samba Poconé”.
Meu Belchior será sempre o de “Alucinação”. Não sei se é o melhor disco que ele fez — ou se, depois daquele, seria possível se superar. Se merecia um Grammy, caso houvesse um Grammy para música cearense em 1976. Sei que, atento ao que sou e ouço, torno-me esses discos todos, e não eu.
(O verso é roubado, de novo, ao Fernando Pessoa, que nunca ouviu nada disso. E não sabe o que perdeu.)