Tenho que preencher um cadastro onlaine e me perguntam “Qual o seu gênero? ”.
Dá vontade de responder “Lírico”.
Mas recuo. Há dias em que estou épico. Poucos, mas há. E, eventualmente — muito raramente, eu diria —, amanheço dramático.
Talvez deva ser mais específico na resposta. Nenhuma empresa perguntaria meu gênero se isso não tivesse um propósito.
Quem me vê assim, escrevendo, há de pensar que meu gênero seja a crônica. Mas as aparências enganam: não sou de muita prosa, mas da poesia. Ou, nestes tempos de gêneros líquidos, da prosa poética.
E o sou por exclusão. Sei que não sou romance (não tenho fôlego para tanto), nem conto (falta-me concisão). Não sou novela (que diabos é uma novela, senão um contão ou um romancinho?). Me falta imaginação para fábula e erudição para ensaio. Sobrou poesia.
Mas não creio que poesia seja um gênero — o poema é que deve ser. Porque pode haver poesia na fotografia, na música, nas artes plásticas: poesia é transcendência, e prescinde das palavras, matéria de que é feito o poema.
Decidido: “Poema” é o que vou escrever como resposta (felizmente é um daqueles formulários abertos, sem a camisa de força da múltipla escolha).
Mas o saite não é de literatura, e é possível que “Poema” não seja uma resposta válida.
Talvez a pergunta se refira a gênero alimentício. Seria eu um gênero de primeira necessidade (feijão, fubá) ou um supérfluo (azeite extra virgem, noz moscada)?
Se o gênero for o gramatical, é “masculino”, com certeza. Porém pode ser que se refiram a gênero na classificação taxonômica. Eu — que sou animália como um platelminto, chordata como um pirarucu, mammalia como um ornitorrinco, placentalia como uma capivara, primata como um lêmure, hominídeo como um orangotango — serei do gênero humano, como… sei lá, Donald Trump.
Achei a pergunta “Qual o seu gênero? ” um tanto genérica. Questões assim não fazem o meu gênero. Sou dispersivo (ou melhor, multifocado). Me perguntam que horas são e fico tentado a dizer que qualquer resposta que eu dê estará certa em algum lugar do mundo — e aí percebo de que não, que os fusos são horários porque saltam de hora em hora, não de minuto a minuto. E vejo que nem mesmo eu consigo concordar comigo em gênero, número e.… grau. Mas que grau seria esse (aumentativo e diminutivo? O grau angular da geometria? O expoente do polinômio? O título acadêmico, a temperatura, a unidade óptica?). Viram? Tergiversei. Sou um generalista — “sei de quase tudo um pouco, e quase tudo mal”.
Como é um saite de cinema, devem querer saber se gosto de comédia, documentário, animação.
Respondo, enfim: Ficção.
E apago.
Era fácil quando perguntavam data de nascimento, endereço, sexo.
Gênero? “Prefiro não declarar”, é o que finalmente escrevo.
Nunca me senti tão pouco específico. Nem tão moderno.