Estou muito feliz em compartilhar minhas histórias mais pessoais, abrir minha casa e convidar todos a participar desta enorme corrente de afeto que nos mantém firmes e fortes. Este talvez seja o principal objetivo do meu livro de estreia, “O amor não se isola”, que acaba de ser lançado: entender que a pandemia e a própria rotina nos impõem limites, mas não nos dobramos a ele. Continuamos juntos, nos amando, rindo e chorando, vivendo intensamente o que a vida nos oferece de melhor, que é o próprio milagre da existência.
Separei uma das muitas histórias que fazem parte do meu dia a dia — e que está no livro, escrito no formato de um diário — para dividir aqui, com vocês. Acaba sendo também uma homenagem ao Tom Veiga e seu Louro José.
Cornélia, as loiras e o louro
Outro dia, falei do poeta Horácio e hoje volto à Roma Antiga (e põe antiga nisso porque a história que quero contar se passa no século II a.C).
Minha mãe é fascinada pela vida de Cornélia, filha do Cipião Africano, herói da Segunda Guerra Púnica, e mãe de Tibério e Caio Graco.
Conta a lenda que Cornélia recebeu em sua casa uma mulher rica e vaidosa, que estava coberta de joias. A “madame” mal chegou e perguntou à anfitriã: “Onde estão suas joias?”. Sem pensar duas vezes, Cornélia chamou seus filhos e respondeu: “Eis as minhas joias”.
Mamãe, que sempre foi “coruja”, vibra com essa história. Ela adora contar vantagem sobre os filhos, e confesso que sempre exagera bastante. Quer um exemplo? Uma vez, ganhei o prêmio de melhor redação da minha série na escola. Devia ter uns 12, 13 anos. Alguns meses se passaram, e a versão que corria entre os nossos conhecidos era que eu tinha sido eleita a melhor escritora do estado. Não é sensacional? A minha Cornélia sempre me matou de vergonha.
Em visita ao Museu D’Orsay, em Paris, Luciano avistou de longe a escultura de uma mulher de túnica branca com duas crianças. Teve uma intuição e foi conferir. Batata! A obra de Jules Cavelier mostrava Cornélia e os irmãos Graco. Tirei uma foto do meu marido, triunfante, ao lado do trio. Claro que mandamos o registro para mamãe, que mandou imprimir. Para cada pessoa que a visita, ele aponta para o porta-retratos, como quem apresenta seu troféu.
Filho realmente é tudo de bom; no meu caso, filha. Também mato a Ana de vergonha, claro. Sempre que recebo visitas, peço a ela que cante. Tal como Cornélia, quero apresentar minha joia, que, além de tudo, tem a voz mais linda do Universo. Como resistir?
Ah, olha que amor! A querida repórter Isabela Camargo tem uma amiga, cujo sobrinho de 6 meses, o Valentim, é meu fã!! “Como assim, Maria?”. Seguinte: a mãe explicou que, quando eu apareço na TV, ele para de brincar e fica hipnotizado. Ele agora é conhecido como o bebê GloboNews! Não é adorável?? Em tempo, a Isabela mandou a foto do Valentim me assistindo!! Pense no bebê mais fofo do mundo. Agora, multiplique por 10, que você vai começar a entender o tamanho da gostosura.
Sabe quem tinha esse poder sobre a minha filha quando ela era neném? A Ana Maria Braga! Mal começava o programa, e a minha Ana era abduzida. Se o Louro José entrava em cena, então, ela nem piscava! Quando eu fui ao “Mais você” a primeira vez, fiz questão de agradecer efusivamente aos dois: à loira e ao louro. Afinal, durante a hipnose da Ana, eu conseguia descansar.
Engraçado que hoje, organizando meus álbuns (sim, sim, continuo obcecada por arrumação), dei de cara com uma foto em que apareço ao lado de outra apresentadora de televisão que marcou minha vida: ninguém mais, ninguém menos que Hebe Camargo.
Foi assim: eu tinha acabado de estrear na GloboNews e estava muito insegura e desanimada. Apresentar jornal era um martírio: gaguejava, não piscava, só pensava em pedir demissão. Uma noite, eu fui com minhas amigas conhecer um karaokê de uma casa noturna no Leblon. Assim que eu entrei, com quem esbarrei? Com a Hebe!
Ela abriu o sorriso mais largo do mundo e disse: “Você não é aquela gracinha do canal de notícias?”. Gente, ela foi tão, mas tão simpática, que achei que podia desabafar como quem fala com a amiga de infância. Expliquei que queria desistir, que tinha vergonha de aparecer na TV, que não tinha talento, que não aguentava mais receber críticas. Ela pegou no meu queixo, olhou bem nos meus olhos e disse: “Tudo isso é normal! Tenha coragem. Não desista!”. Em seguida, me chamou para cantar com ela. A foto mostra esse momento mágico. Lembro-me de ter pensado: quem canta com a Hebe, os males espanta. Resisti. Não desisti.
Já fui chamada algumas vezes de a “Hebe do jornalismo”. Para mim, honra maior não há. Essa mulher extraordinária iluminou a vida de muita gente. Fez o bem sem olhar a quem.
Maria Beltrão é apresentadora do Estúdio i, na GloboNews, há 11 anos. A jornalista, que também apresenta a cerimônia do Oscar na Rede Globo, acaba de lançar seu primeiro livro, “O Amor Não Se Isola” (editora Fábrica de Livros), escrito na pandemia, em formato de diário, com prefácio de Octavio Guedes e orelha de Christiane Pelajo. A alegria é um dos seus principais bens na vida.