Como clínica geral, tenho observado com tristeza a superlotação dos casos de covid nos hospitais, tanto nos particulares quanto nos públicos. Isso se deu por uma simples razão: depois do relaxamento, todo mundo voltou a sair com tudo. Com a flexibilização, muitos partiram do isolamento direto para a euforia, e entramos nesse grande retrocesso, ampliado pelo negacionismo.
Não se cuidar significa um ato de desamor com o outro. Sempre que vejo alguém sem máscara em filas de bancos, farmácia, supermercado, ou qualquer lugar público, me apresento como médica e explico a importância de usá-la — banco a velha louca. Estou atendendo pacientes com covid desde o início da pandemia. Uma melhora no número de mortes do Rio, assim como em outros locais do Brasil e do mundo, trouxe a falsa ilusão do fim da epidemia.
A Europa enfrenta sua segunda onda, com novo lockdown e cuidados, mas aqui nem sabemos se é um repique, ou se já estamos mesmo na segunda onda. Enfim, tenho atendido famílias, grupos de amigos, colegas de trabalho, depois de festas, passeios de barco, saídas sem cuidados. Minha visão é que haverá ainda mais aumento de casos e internações. A grande maioria se contamina por relaxamento.
Alguns hospitais voltaram a evitar cirurgias eletivas e, em comum, em todos eles, um grande aumento nos casos de covid. Todos eles, seja público, seja privado, estão no limite. Um dia, posso estar no Copa Star; no outro, no Barra D’Or; no outro, no Samaritano. Em comum, só o grande aumento de internação e a preocupação.
Apesar de concursada no Ministério da Saúde, tendo trabalhado em muitas emergências, atualmente não trabalho nos hospitais municipais e federais, mas tenho muitos amigos que estão neles, todos os dias. É muito sofrimento. Ao mesmo tempo, observo como já aprendemos a lidar melhor com a doença, desde os primeiros sintomas. Os testes disponíveis também tornaram as coisas mais fáceis se comparados a março e abril.
Ainda assim, apesar de tratar de doenças infecciosas há muito tempo, dá até medo saber que a média móvel no nosso Rio está com 11 dias em alta. Isso pode aumentar e me assusta pensar num colapso. Já perdemos mais de 22 mil vidas no estado. Você, que não está nem aí, vive pra cima e pra baixo, sem pensar nos outros, pare e reflita se alguma dessas mortes ou sofrimento causado pelo luto teria um mínimo de sua responsabilidade. Você gostaria de ser um vetor da covid mesmo sem saber?
Loreta Burlamaqui é especialista em Clínica Médica, atua na Sociedade Viva Cazuza (foi das primeiras a trabalhar com AIDS). É voluntária da Missão Covid e membro da Sociedade Brasileira de Doenças Infecciosas. Tem consultório em Ipanema, há 20 anos.