A pandemia de 2020 repetiu uma cena de outrora, despertando sentimentos adormecidos na história da humanidade. Incertezas sobre tratamentos adequados, medo de contaminação, mortes, falências, demissões, desestruturação de famílias etc. Perdas de toda ordem refletiram a queda de ideais no campo da ciência, mostrando que ainda somos muito suscetíveis ao exército invisível de bactérias e vírus.
Isso fez aflorar o desamparo e a fragilidade de cada um, frente ao incontrolável do real.
Tantas conquistas em diversos campos, entretanto, damo-nos conta da enorme dificuldade em lidar com a transitoriedade da vida e a respeitar os limites de nossas intervenções na Natureza. Por não levarmos em conta nada disso, volta e meia defrontamo-nos com o retorno do real sob várias formas e, espantados, curvamo-nos às consequências de nosso descaso.
Diante da necessidade de uma reflexão profunda sobre os valores e conquistas, amealhados durante milênios de civilização e o desamparo diante de catástrofes, faz-se necessário rever procedimentos, hábitos e certezas.
É preciso fazer o luto da fantasia de imortalidade e valorizar o milagre da vida, a alegria do convívio com os demais, diante da presença crua da morte.
A impossibilidade de manter o adormecimento em rotinas antigas, o isolamento social e todos os procedimentos de evitação da dor de existir transformaram a vida em um pesadelo do qual as pessoas têm dificuldade em despertar.
Claro, isso vai passar… Todos, como sonâmbulos, retomarão seus afazeres, pois é preciso seguir em frente, para a vida fazer sentido.
Enquanto não chegam vacinas seguras, um estado de melancolia grassa entre as pessoas, impedidas de ver familiares, amigos e colegas.
O Natal deste ano será menos mágico e o réveillon, sem tantos fogos de artifício e suas deslumbrantes luzes. Tantas dúvidas sobre a vida têm feito muitas pessoas adoecerem de múltiplas causas e, na base de todas, o medo.
As consequências políticas, econômicas, sociais e principalmente, subjetivas, já se mostram mais trágicas do que o próprio vírus.
Diante dessa realidade trágica, é preciso serenidade e firmeza, além de determinação para vencer mais essa batalha e fazer da pandemia uma oportunidade de aprendizado a ser transmitido às gerações vindouras.
José Nazar é psiquiatra e psicanalista. Acaba de completar 45 anos de profissão e está lançando o filme “Só depois”, onde conta sua trajetória e a chegada da psicanálise lacaniana ao Brasil, da qual foi o principal propagador. Fez mestrado no Instituto de Psiquiatria da UFRJ; fundou a Escola Lacaniana de Psicanálise Rio, Vitória e Brasília; e é editor-chefe da Companhia Freud Editora.