Era começo de agosto, isolamento absoluto, cuidados redobrados, toda a família dividindo, havia meses, as tarefas domésticas, procurando conciliá-las com intensa carga de estudo e trabalho… Diante de tantas mudanças na rotina, um repentino cansaço não seria uma sensação tão surpreendente.
O cansaço, porém, virou cansaço extremo; em seguida, veio a tontura, a falta de equilíbrio, que me fez cair na cama e não ousar levantar. Pensei no esgotamento físico e emocional, comum a muitos nessa pandemia; depois, calafrios e uma febre de 39º que não baixava nem com antitérmico, nem banho. Finalmente, o temor ganhou forma. Só podia ser a Covid: medo, susto, cuidados ainda mais. Os sintomas não davam trégua, sempre mais intensos: dor de cabeça insuportável, fraqueza, vômitos e uma inapetência nunca sentida; até água, eu repelia. À noite, o mais estranho: um suor tão excessivo, que encharcava a cama, impedindo-me de dormir.
No terceiro dia, meu médico, Raphael Roubach, me mandou encontrá-lo no hospital, onde faria os exames necessários. Pelas imagens do pulmão na tomografia, já seria possível encaminhar a suspeita de coronavírus. Não era. Minha doença tinha cara de Covid, mas não era Covid.
“Você tem feito trilhas ou esteve em cavernas?”. Tive que rir. Quem me conhece sabe o quão absurda é essa pergunta pra mim. Além do mais, eu estava em isolamento absoluto! No pulmão, foi observado um nódulo, incluindo a possibilidade fúngica, com fortes chances de ser histoplasmose, a conhecida “doença das cavernas”, transmitida pelas fezes de morcego. Susto, medo, desconhecido. Mas, para ter certeza, deveria fazer um exame específico, cujo resultado demora 40 dias. Fui encaminhada para os infectologistas Paulo Feijó e Halime Barcaui, que me acolheram em uma longa maratona de exames.
A sorte foi detectarem rápido a possibilidade dessa doença tão pouco comentada. No Rio, com suas florestas, muita gente pega histoplasmose e nem fica sabendo. A doença é confundida com infecção bacteriana, pneumonia e até tuberculose, diagnósticos errados que levam as pessoas a tomar remédios fortíssimos inutilmente.
A doença, em organismos saudáveis como o meu, é debelada naturalmente pelo corpo, não, sem antes, derrubar-nos longamente. Foram quase três meses com resquícios dos sintomas, principalmente o cansaço e a dificuldade de respirar. Agora estou à espera da próxima tomografia pra confirmar que esse nódulo não me pertence mais.
Nestes tempos do famoso corona, em que a tomografia, muitas vezes, torna-se essencial, os médicos estão trazendo à luz mais casos de uma doença mais frequente do que se imagina. Embora não contagiosa, contrair histoplasmose não te imuniza, ou seja, os morcegos continuam sendo um perigo, qualquer que seja a sua forma. Fora que ganhei o apelido “bat girl”. O esporo se espalha pelo ar ou na poeira, carregando o fungo e ameaçando, sobretudo, moradores de áreas próximas à mata, no meu caso, vizinha do Parque Lage, conhecido pelas grutas e com muitas podas de árvore.
E eu achava que estaria segura em casa…
Joana Ferraz de Abreu, 49 anos, professora de História, botafoguense apaixonada, casada, mãe de Helena e Bento.