Mirtia era sistemática. Como sempre fazia, depois de acordar e tomar o café foi tomar seu banho matinal e lavar a cabeça. Às 11:30 horas foi encontrada morta no chuveiro. Mirtia era muito cuidadosa consigo mesma, sua saúde. Ela tinha pressão convergente, quando a pressão máxima se encontra com a mínima, o que é sempre um grande risco, e tomava regularmente seus remédios para a pressão. Já tem algum tempo, Mirtia se tornou medrosa, não saía mais à noite, não dirigia mais automóvel. E estava muito impressionada com a pandemia.
O programa social obrigatório e preferido de Mirtia Gallotti eram os cineminhas de sábado em casa dos amigos João Maurício e Maria Alice Araújo Pinho, com quem Mirtia conversava todos os dias ao telefone, e era WhatsApp toda hora. Nossos últimos encontros sociais foram no cineminha dos Araújo Pinho e em jantares em minha casa.
Desde que enviuvou de Antonio Gallotti, Mirtia nunca mais se casou. Ou melhor, nunca mais quis se casar. Candidatos não faltaram. Como o banqueiro Jorge Piano que, quando enviuvou, tentou lhe fazer a corte, mas ela não o estimulou. Ela sempre foi muito seletiva. Muito religiosa, ia à missa de São Paulo Apóstolo regularmente. Em Paris, não abria mão das missas na Rue du Bac. E não posso esquecer seu carinho, sempre nos trazendo de lá um vidrinho de água benta. Era muito bonita. A imagem mais bela que guardo de Mirtia é correndo à beira mar, em Miami Beach, toda cinza, training e camiseta, com o rabo de cavalo louro cinza embalado pelo vento. Cinematográfica.
A outra imagem que guardo de Mirtia foi de quando a conheci, como Mirtia Kegler, levada por Tony Gallotti a um jantar em casa da grande amiga dele, Consuelo Pereira de Almeida, que veio a se tornar também grande amiga dela.
A Mirtia Kegler era completamente diferente da quase sóbria e contida Mirtia Gallotti. Iluminada, esfuziante, risada rouca e musical, ela encantou naquela noite em que Gallotti a introduziu em seu círculo de amigos. Estavam também presentes, além de nós, Roberto e Yara Andrade, Roberto e Stella Campos. O que deu margem a uma mesa de anedotas impagáveis, com Tony e os Robertos brilhando com seus repertórios de piadas, que sabiam muito bem contar.
Antonio Gallotti voltava à plenitude de sua exuberância, depois da conturbada separação de Miriam Atalla, sua segunda mulher. A primeira chamava-se Mina. Iguais no prenome, totalmente diferentes nas personalidades.
Mirtia tinha dois grandes amores. O filho, advogado Luciano Saldanha, casado com a jornalista Maria Beltrão, e a neta, Ana Beatriz, do primeiro casamento de Luciano. Hoje, Maria Beltrão não apresentou o Estúdio I, e com fortes motivos para isso.
Não haverá velório nem enterro, devido à pandemia. Repousa em paz, querida Mirtia.
Foto: Paulo Jabur (arquivo site Lu Lacerda)