Na adolescência (milênio passado) a vida modorrenta em cidadezinha do interior me empurrou para uma prática já extinta, a de ter amigos por correspondência, também conhecidos como penpals. Sim, já usávamos anglicismos desnecessários, mas não do jeito over de hoje — a coisa era bem mais light.
O intercâmbio epistolar, além de exercitar o inglês (“Hello! My name is Eduardo; I have 14 years. How go you?”) servia para trocar coisas. Selos, por exemplo.
No início, amadoristicamente, os selos eram arrancados de qualquer envelope que eu encontrasse pela frente, e o escambo se dava na base se um para um. Depois, fui descobrindo que havia técnicas para desprendê-los dos envelopes (de preferência usando vapor, no bico da chaleira, ou água morna, num prato). Aprendi que deviam ter goma e picotes intactos. Que beleza e tamanho não eram documento: havia selos lindos (e enormes!) de Manama (sim, esse lugar existe) e um quilo deles não era páreo para um único — minúsculo, feioso — “olho de boi”. Como os seres humanos, selos pertenciam a castas (novos ou usados, ordinários ou comemorativos) — e enquanto uns eram peças raras, outros não valiam nada.
Trocava cartões postais. Quem é do século passado há de se lembrar deles: retângulos de papelão, com uma imagem kitsch estampada numa das faces, e, na outra, espaço para o endereço do destinatário e alguma platitude do tipo “Estive aqui e me lembrei de você. Beijos na tia Cotinha”. Eram comprados em banca de revista, recebiam um selo no canto superior direito e (pasme!) o correio entregava à pessoa antes que a gente tivesse tempo de tirar outras férias.
Os cartões postais deram origem a uma das frases mais odiadas pelos fotógrafos (“Nossa, que foto linda! Parece um cartão postal! ”).
E havia também quem escrevesse a desconhecidos apenas para trocar ideias — isso no tempo em que ideia ainda tinha acento.
Aos aficionados dessa estranha modalidade de permuta, era reservado um cantinho nos jornais e revistas. Tive meu endereço publicado na Tio Patinhas, no Clarín (de Buenos Aires), no Listín Diário (de Santo Domingo, na República Dominicana) e num jornal da África do Sul — o que me valeu centenas de penpals infanto-juvenis (mais infanto que juvenis), e de todas as províncias argentinas, inúmeras cidades dominicanas e de lugares que nem existem mais, como a Rodésia (hoje mais conhecida como Zimbábue) e a Suazilândia (hoje ainda mais desconhecida como Essuatini).
A troca de ideias era diferente da troca de selos e cartões postais, porque não tinha regras claras. A única coisa em comum era eu ficar sempre no prejuízo. Mandava selos comemorativos, recebia ordinários. Mandava cartões de mulheres de biquíni em Copacabana, recebia de lobos marinhos em Mar del Plata. Mandava ideias de como salvar o planeta (menos fábricas, mais feriados, adoção do esperanto como língua universal) e recebia, em contrapartida, informações sobre o preço da Coca Cola em Salisbury , um pedido de namoro à distância (e bota distância nisso!) ou a versão de uma música do José Augusto em castelhano.
Ainda guardo — não me pergunte por que ou para quê — centenas de cartões postais e milhares de selos, tão inúteis quanto meus desejos pubescentes de mudar o mundo. Mas não perdi o gosto pela troca de ideias. Tenho várias:
– É impossível ficar desnorteado no Polo Sul;
– Só há uma coisa pior do que todo mundo ficar reparando que você colocou botox: é você colocar e ninguém notar;
– Poligamia é quando um homem tem várias mulheres. Monogamia também;
– A esterilidade não é hereditária.
Alguém se habilita?