São poucas as pessoas famosas que tenho vontade de conhecer. Como a maioria delas já morreu, é uma vontade à qual nem dou muita trela.
Mas queria — muito! — conhecer gente que realmente importa, e que é totalmente desconhecida.
A pessoa cuja mala é a primeira a aparecer na esteira do aeroporto, por exemplo. Em décadas de Galeão, Santos Dumont, Guarulhos, Congonhas, Confins, Afonso Pena, Ezeiza, Barajas, La Guardia, nunca vi essa criatura. Algo me diz que as primeiras malas que surgem na esteira sejam cenográficas. São colocadas ali pelo pessoal das infraeros locais para distrair os que desembarcam e lhes dar a falsa impressão de que sua bagagem foi tirada da barriga do avião com a mesma avidez com que os passageiros arrancam do compartimento superior os seus pertences de mão e se acotovelam no corredor da aeronave tão logo o trem de pouso toca o solo.
Minha bagagem nunca esteve entre as 50 ou 100 primeiras a desfilar na esteira. Algumas vezes, sequer apareceu — e teve que ser resgatada dias depois. Mas há de haver alguém que mal pisou na sala de desembarque e já deu de cara com seu trambolho mumificado em plástico transparente, cheio de etiquetas e com a alça arrebentada, à sua espera. Há de haver, não é possível. Essa pessoa eu queria conhecer, saber como é a emoção desse reencontro, o que ela faz para ter uma bagagem com fidelidade canina, e que vem saudá-la tão logo ouça seus passos percutindo o piso de granito do saguão.
Eu queria conhecer a pessoa que consegue vaga perto da escada rolante do shopping. Sempre tem carro nessa vaga, e me pergunto se a pessoa chega na véspera, e acampa na entrada do shopping — com colchonete, garrafinha de água e pacote de biscoitos, para garantir essa vaga (“a” vaga), como fazem os fãs das cantoras pop e dos grupos de frangotes coreanos quando eles se dignam a vir ao Brasil.
Queria conhecer alguém que tenha sido bem atendido numa loja da Claro. Que realmente tenha ficado bem numa calça que a vendedora da Taco disse estava ótima. Que tenha acertado de primeira algum captcha do CAU ou do Nota Carioca. Que tenha sido atendido no horário marcado num consultório médico.
Alguém em quem a anestesia tenha pegado de primeira, no tratamento de canal. Cujas palavras tenham sido transcritas com fidelidade numa entrevista dada por telefone. Que seja parecido consigo mesma na foto da carteira de motorista (aquela que tem que ser feita no Detran, sem pré nem pós produção, por uma funcionária impaciente, e sem sequer um espelhinho pelo qual se possa ajeitar o cabelo).
Essas são as pessoas que contam. As pessoas raras. Afortunadas. Que nasceram com aquela parte da anatomia onde os políticos escondem dinheiro voltada para a Lua. Pessoas que têm um quê, um it, um borogodó, um jenessequá. As que chegam a um restaurante da Dias Ferreira e tem mesa. Que escolhem um sapato na vitrine — e tem a cor e o número, e o sapato não só é confortável como está na promoção.
Alguém que lembre em quem votou para vereador nas últimas eleições. Que nunca tenha tido vontade de matar o/a vizinho/a de cima. Alguém ímpar, extraordinário, do tipo que já comeu no McDonald’s um sanduíche igual ao do anúncio. Ou que tenha recebido troco numa loja de R$ 1,99.