Todo novembro chega para mim com um frio na barriga. Isso, desde o começo dos anos 90, quando resolvi botar a cara a tapa e trazer para o País, recém-redemocratizado, um festival de cinema gay e lésbico.
Na época, nem havia GLS, a comunidade trans e travesti não estava representada nas siglas, nem as paradas do orgulho LGBT haviam começado a ganhar visibilidade nas ruas do País. Mas, apesar dos recuos políticos recentes, muita coisa mudou de lá pra cá. Foram necessários 10 anos para chegarem os primeiros patrocinadores, mas os que vieram ficaram. Se, no começo, era necessário pedir a amigos, gays e héteros, para fazerem vídeos caseiros que nos representassem, hoje o Brasil é um dos maiores produtores de conteúdo audiovisual LGBT+ do mundo. Essa cinematografia é reconhecida, internacionalmente, nos principais festivais.
E, mesmo com os ataques às minorias e fim do apoio à cultura, nunca foram produzidos tantos filmes e espetáculos sobre a diversidade sexual, tantos livros escritos por autores e autoras do gênero, nem tantos talentos de pessoas trans, travestis e não binárias reconhecidos na música.
Os últimos tempos não têm sido nada fáceis. Por isso, em 2018 e 2019, usamos como temas do Festival ‘(R) Existo’ e ‘Persistir’, indicando que a resistência necessária para barrar os atrasos ainda estão aí presentes com essa loucura preconceituosa que vem acontecendo especialmente no Brasil e nos Estados Unidos. Em 2020, ano que ainda por cima está sendo marcado pela pandemia e pelas lutas contra o racismo, buscamos uma mensagem de força e para lembrar que tudo que está acontecendo um dia vai passar e que sairemos mais fortes.
Encontramos essa potência na imagem da figa, um símbolo-gesto europeu apropriado pelas religiões brasileiras de matriz africana e que traz sorte e proteção.
Nesta quarta (11/11), assim como há 28 anos, começa mais um MixBrasil, aquele momento no calendário para estarmos juntos e celebrar nossas conquistas – pelo menos no que se refere à visibilidade, direitos e produção cultural LGBTQIA+. Este ano, por conta da pandemia, vamos estar unidos on-line, com a vantagem de podermos estar em qualquer lugar do Planeta. Nos vemos no mixbrasil.org.br
Figa para todes!
André Fischer é jornalista, criador do Festival Mix Brasil, cuja 28ª edição começa nesta quarta (11/11), com 101 filmes de 24 países, seis espetáculos teatrais, literatura, laboratório audiovisual, mesas-redondas e show do Gongo com Marisa Orth. Atualmente é Diretor Centro Cultural da Diversidade na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e sócio da Tecidas 360, consultoria dedicada ao tema. É também autor e tradutor de livros.