O mundo ouve esperançoso as notícias da chegada de vacinas que nos livrarão do Covid. No entanto, essa luz no fim do túnel não pode ser vista como álibi para abrir a guarda.
Como muitas pessoas, tive perdas difíceis que me tiraram o chão — mais de 15 amigos próximos e parentes que também se foram sem tempo de despedidas. Há duas semanas, mais um, aos 45 anos, deixando mulher, duas filhas pequenas, e essa partida não terá minha aceitação — um amigo adorável, lindo, talentoso e cujo sorriso vou levar pra sempre comigo. Ao mesmo tempo, meu pai passou pela doença na semana, que fazia 60 anos de casado e sobreviveu — uma verdadeira Bodas de Diamante para minha mãe. Com todos os cuidados e máscaras… e mesmo assim, o Covid chegou —quando se fala em segunda onda, e ela parece que, a cada dia, se confirma. Talvez, o mais duro seja a ausência de despedida, que nos abre um buraco no peito e vai nos marcar por muito tempo.
Nossa ânsia de voltar à normalidade nos impele a não acreditar que tudo possa recomeçar. Estamos cansados, e muitos chegaram a um nível muito alto de problemas e precisam de suas vidas de volta. Precisam de abraço, de comida, de emprego. Agora, mais que nunca, a resiliência precisa ser nossa grande companheira.
Durante este ano trágico, por algum tempo abdiquei das redes sociais, a timeline do Facebook, virou um obituário — parei de contar quando mais de 100 pessoas, entre amigos, conhecidos e parentes de amigos se foram. Difícil mandar mensagens, quando se quer abraçar. Já o Instagram se manteve como celebração da vida e dos momentos mais leves, mas também por isso não fiquei curtindo muito por lá.
Como artista plástico tive a vida cancelada sem previsão de retorno. Estaria no momento com a minha exposição “Cadeau” na Galeria Maria Antônia, na USP, em São Paulo, mas agora espero, como todos na arte e na cultura, quando será possível confirmar qualquer agenda e planos. E nestes meses dividi meu tempo entre, garantir o mínimo de sobrevivência e o máximo de sonhos e projetos. Dezenas de editais aqui e lá fora, retomada de meus roteiros de cinema, mais e mais trabalhos no ateliê com obras que abordam nossos tempos sombrios e indigentes, torcendo para que um dia não precise responder diariamente com minha arte, a atos hediondos e inconsequentes contra o povo e a natureza, e meu trabalho possa se ocupar de aspectos mais filosóficos e menos políticos.
Mas sou um otimista pragmático e tenho esperança absoluta neste país, que não tem outro destino se não, dar certo! Está apenas passando um comercial irritante, mas o Brasil, a atração principal, é ótimx!
Vamos cuidando dos nossos, dos outros e de nossas consciências até o ar voltar. E enquanto os resultados não saem, enquanto a ajuda da Lei Aldir Blanc não chega, enquanto as agendas não saem, vamos tentando lidar com as despesas como dá! Aguardando chegar a minha vez na lista do Caldeirão do Huck, na esperança dele finalmente fazer a pergunta do milhão!
Alexandre Murucci é artista plástico, um dos participantes na Bienal de Veneza, representante brasileiro nas bienais do Cairo e da Áustria. Criador da TRIO Bienal, uma bienal de arte para o Rio, que reuniu em 2 edições — 227 artistas brasileiros e internacionais (de 53 países). Também diretor de arte, designer e roteirista. É Diretor Cultural do Instituto Niemeyer, entre outras posições institucionais.