O Rio de Janeiro foi eternizado como “Cidade Maravilhosa”.
Creio eu que o principal motivo de tão distintivo título estivesse relacionado com seu, outrora, exuberante ambiente.
Praias, lagoas, matas, cachoeiras, manguezais, restingas tornavam esse lugar o paraíso sobre a Terra, apesar das graves moléstias que a histórica ocupação urbana insalubre gerava desde seus primórdios — situação que perdura até hoje, sem perspectiva de resolução.
Em resumo, passadas algumas centenas de anos de desmonte ambiental, hoje temos um município ambientalmente em permanente ataque, onde tudo que pôde ser degradado foi, é e continua sendo, sob os auspícios de um poder público omisso e, muitas vezes, ativo no processo de degradação, constituindo o que eu denomino tecnicamente como “terrorismo ambiental de Estado”.
De responsabilidade exclusiva do Município do Rio de Janeiro, temos, no sistema lagunar de Jacarepaguá, o maior passivo ambiental da cidade, onde o complexo de lagoas foi transformado numa imensa latrina, produtora de tudo de ruim que se possa imaginar em termos de geração de gases, fruto da putrefação anóxica do esgoto e explosões demográficas de cianobactérias tóxicas que sistematicamente contaminam a praia da Barra assim como toda a fauna que sobrevive nas lagoas.
Mais de 6.5 milhões de metros cúbicos de sedimentos e resíduos de todos os tipos vão se acumulando, principalmente, na lagoa da Tijuca, uma verdadeira bomba relógio socioambiental prestes a explodir visto que é a principal via de drenagem das águas que escoam de toda a Baixada de Jacarepaguá.
Objetivamente, as causas dessa mania de degradar estão relacionadas à ausência do poder público no que diz respeito à ordenação do uso do solo, bem como à falta de vontade de oferecer o serviço de saneamento universalizado.
Por um lado, imagino que o crescimento urbano desordenado deva render frutos políticos e econômicos consideráveis e, por outro, que o tema do saneamento continua sendo um tabu visto que se consolida como uma fábrica de dinheiro fácil para quem vende e recebe um produto de péssima qualidade. Isso, quando entrega!
Portanto, temos rios transformados em valões de esgoto e lagoas e baías, em latrinas. Destaca-se que, no caso das baías, o problema se torna mais complexo porque envolve mais de um único município e onde, mesmo assim, o protagonismo esperado por parte do Município do Rio de Janeiro, num possível resgate da importância socioeconômica e ambiental das baías de Guanabara e Sepetiba, continua muito distante das preocupações dos administradores que por aqui passaram. Afinal, esses temas não devem render muitos votos.
No entanto, não são apenas os não humanos que saem perdendo de lavada desse jogo sujo.
A cidade do Rio de Janeiro – aquela que recebeu coisa de 40 bilhões para o delírio olímpico megalomaníaco de 2014, sem falar no delírio que consumiu 1.6 bilhão de reais apenas na reconstrução do Maracanã – é uma cidade ambientalmente para lá de vulnerável.
As chuvas de 2019 demonstraram isso, bem como todas as demais que por aqui varreram dezenas de vidas.
Corremos o claro risco, dependendo do padrão climático, cada vez mais imprevisível diante das mudanças no clima global, de tornar a cidade ambiental e economicamente inviável.
Explico: a quantidade de áreas ambiental e naturalmente vulneráveis é enorme e só faz aumentar na medida em que o poder público não usa seu poder de polícia no sentido de ordenar e tampouco implementar políticas habitacionais para as classes menos favorecidas.
Portanto, se aquela chuva que aconteceu em 2010 ou em 2019 se abatesse sobre uma região maior, promovendo deslizamentos e inundações generalizadas, eu, francamente, não sei de onde viria tanto dinheiro para restabelecer a “normalidade” na cidade.
Vivemos uma metástase no tecido urbano-ambiental da cidade, atacando justamente o que dá estabilidade, equilíbrio aos ecossistemas que naturalmente são vulneráveis.
Deve-se lembrar que, além da degradação generalizada, que expõe vidas humanas e não humanas ao perigo e as sentencia a viver em condições de profunda insalubridade, a degradação ambiental é concentradora de renda nas mãos da delinquência que se beneficia do caos no ambiente. Toda a sociedade sai perdendo, pois perdemos dinheiro, perdemos potencialidades econômicas que poderiam estar gerando empregos e impostos nas lagoas, baías e demais ecossistemas. O que se tem feito no Rio de Janeiro é a mais clara materialização da “cultura do pau-brasil”, isto é, usar até acabar.
O tempo se esgota bem como a paciência da Natureza. Resta saber o que fará o próximo prefeito em relação a essa imensa massa ambiental falida que se vai consolidando no Rio de Janeiro, após centenas de anos de bota-abaixo ambiental.
Reitero: ainda vivemos um sonho que não existe mais, a respeito do “bom humor climático” local e global, sendo que estamos para lá de atrasados, como de praxe, para pagarmos as dívidas do passado, bem como nos prepararmos para as faturas do futuro.
Sem dúvida, nosso cheque especial estourou — e faz tempo — com a Natureza.