Em junho de 2018, durante uma viagem, recebi uma notícia trágica: uma amiga que havia desaparecido há uma semana, tinha acabado de ser encontrada sem vida, em um bosque, nua, com o rosto queimado, deixando três filhos pequenos e o marido. Poucos dias depois, o marido confessou o crime. Fiquei em estado de choque. Até hoje, estou emocionada, extremamente triste e revoltada, quando penso nessa tragédia. Nunca imaginei que isso podia acontecer. A única coisa que eu sabia era das brigas de casal e da vontade dela de se separar. Tinha até demonstrado interesse em saber mais sobre a Comunicação Não Violenta.
Lamentavelmente, o caso da minha amiga não é um caso isolado. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam um aumento de 22% nos feminicídios no primeiro semestre deste ano, durante a pandemia. Segundo outra pesquisa, uma mulher morre de violência doméstica a cada nove horas em 2020, no Brasil: uma triste realidade, sempre precedida de violência verbal e psicológica. Desde que venho falando e escrevendo sobre Comunicação Não Violenta (CNV) e sobre os jogos psicológicos — explicados pelo psicólogo Stephen Karpman —, várias mulheres me procuraram, através das minhas redes sociais, para pedir ajuda ou se abrir comigo. Todas dizem que nunca ousaram “falar sobre isso com ninguém ou quase ninguém”.
Vítimas de todo tipo de agressões, ficam paralisadas por vergonha, culpa e medo. Medo de serem julgadas, acusadas de volta, vergonha de se expor, de expor o agressor e, às vezes, os filhos e a família. Sofrem em silêncio; muitas delas não sabem como sair desse tipo de relacionamento abusivo. Vivem confusas, principalmente porque o ciclo da violência tem, pelo menos, três fases.
A primeira fase é a de tensão, quando ocorrem as provocações, intimidações, humilhações, desde comentários sutis e desagradáveis que vão diminuindo e minando a autoestima da mulher, até xingamentos. Colocações como “Que batom é esse que você pôs? Quer parecer uma palhaça? Tire isso agora!” ou “Nossa! Que legal esse vestido! Parece um saco de batata!” ou, ainda, quando a mulher se arruma para agradar-lhe e se sentir bem, fala coisas como “Você gosta de seduzir outros homens, hein!?”. Se ela reage, ainda vêm respostas do tipo “Que isso?! Não falei nada de mais! Você está extrapolando!”. Ela começa a se sentir confusa, triste, desanimada, incomodada, e às vezes, revoltada. Por trás desse comportamento, pode haver uma forte necessidade de autoafirmação do parceiro, uma personalidade dominadora ou algum tipo de patologia.
Depois de um tempo, vem a segunda fase: a explosão, um episódio agudo de violência, quando a mulher é agredida pelo parceiro, fisicamente ou psicologicamente, de uma forma mais grave e impactante. Quando reage de volta ou tenta se defender, acaba sendo agredida mais fortemente. Por isso, muitas vezes, acaba caindo na passividade ou submissão.
A última fase desse ciclo da violência doméstica é chamada de “lua de mel”. O agressor nega a violência, tenta diminuir a gravidade dos atos, eventualmente pede desculpas, compra flores ou presentes e promete mudar ou não repetir o comportamento — tudo que a mulher deseja e em quer acreditar. Vem um momento de esperança e sossego, até os próximos comentários ou atitudes desagradáveis. Geralmente, muitos ciclos se passaram até chegar a um ponto de não retorno.
Quais são algumas soluções possíveis? Compreender os jogos psicológicos (Triângulo Dramático de Karpman) e aplicar os conceitos da CNV para desarmar a violência logo no início, sem cair na submissão. Com isso, é possível evitar o pior. O ideal é falar a respeito com um profissional ou alguém de confiança, para não se sentir sozinha — a solidão torna a vítima mais vulnerável e mais confusa. Buscar apoio é fundamental, pois, infelizmente, não fomos preparados na escola, para enfrentar esse tipo de situação.