Neste momento gravíssimo da Covid-19, foi emocionante fazer a peça “Autobiografia Autorizada”, virtualmente, com a bilheteria para os profissionais da cultura, que estão sem renda durante a pandemia. O espetáculo é um monólogo, e os cenários com projeções rendem bem. Chorei diversas vezes, atrapalhando a interpretação. E, quando terminou a sessão, ao vivo do teatro — claro que, com público presente, é muito melhor, mais caloroso, outra energia — mas teve os seus encantos.
No final, olhei para a plateia e tínhamos quatro câmeras e eles aplaudiram com entusiasmo. Naquele momento, senti que, até hoje, nos meus 45 anos de profissão, sempre atuei para a câmera. Ali, percebi que tinha interpretado exatamente para eles, os câmeras, para o profissional que estava ali atrás, fazendo com que a minha imagem fosse para a casa dos espectadores. E decidi que, de agora em diante, vou fazer teatro para os câmeras.
Descobri que os câmeras eram como se fossem os médicos, enfermeiros, que estão na linha de frente nos hospitais, fazendo a inserção do ar pelas tubulações dos pulmões dos entubados nas UTIs. Cumpriram uma função parecida. Durante a representação, me sentia entubado. Os pulmões são muito sensíveis; se o ar entrar forte, destrói os alvéolos.
É preciso um controle talentoso na operação. É uma função delicada. Por isso, o primeiro ministro inglês, Boris Johnson, agradeceu tanto os imigrantes que fizeram essa função quando ele foi internado. Logo ele, que combatia os imigrantes.
Foram 396 pagantes na sessão. Recebi lindos retornos de gente que nunca tinha ido ao teatro, porque vivia em pequenas cidades, até da Amazônia, ou porque tinha vergonha de entrar numa sala de espetáculo, considerado lugar chique, ou porque onde vivia não existe teatro.
Recebi vídeos de pessoas de todo o Brasil, que viram em casa, comendo bolinho, tomando cerveja, o celular em cima da mesa, com salgadinhos atrás, foi lindo. Esse formato veio para ficar.
Paulo Betti é ator, diretor e produtor, nome reconhecido no cinema, no teatro e na TV.