Do Brasil para a Bourgogne, passando por Paris e Perpignan. Essa foi a minha trajetória desde abril de 2014, quando finalmente decidi deixar o meu Brasil adorado, e muito especialmente o Rio, onde morei. Divorciada de um brasileiro e com filhos na França, depois de um câncer de mama, pensei que seria melhor voltar para o meu país de origem. Falo país de origem, pois posso dizer que tenho dois: França e Brasil.
Entre 1997 e 2010, tive passaporte brasileiro; de 2014 até o ano da eleição do Presidente Jair Bolsonaro, voltei uma vez por ano, ao meu querido Brasil, para poder ver meus numerosos amigos que deixei por lá e matar um pouco a saudade. Conheci o Brasil em fevereiro de 1992 e, a partir daí, visitei o país de uma até várias vezes por ano, até me mudar de vez em 2000. Acho que ninguém deixa o Brasil facilmente…
Lembro que, visitando a feira de Arte de Bogotá em 2012, apaixonei-me por uma obra do artista venezuelano Ricardo Benaim que representava o mapa da América do Sul. A obra era cara para mim, mas achei impossível não comprá-la. Já pensava em voltar para a França e precisava morar com essa obra na minha parede! Preparei minha saída durante dois anos, até poder dar esse passo grande.
Graças à Internet, não me sinto longe, pois a comunicação é permanente. Posso dizer que, desde 2014, acho que não passei um dia só sem falar com amigos brasileiros. Tive a grande sorte de realizar no Brasil um sonho da minha vida: publicar um livro.
A jornalista Rejane Guerra me empurrou muito para escrever sobre a minha vida no Rio, na charmosa Ilha da Gigoia, e foi a Ana Cecilia Impellizzieri Martins que publicou “Outro Olhar, uma francesa no Rio de Janeiro”. O livro foi ilustrado por um grande homem do teatro brasileiro, o paulista Nelson Baskerville. Posso dizer que foi um dos enormes presentes que a vida me deu. O livro foi lançado no Brasil e em várias cidades da França.
Chegando a Paris, levei um bom tempo para me sentir uma francesa legítima. Meu coração ficara no Brasil, e não sabia bem onde eu morava. Fiquei um tempo entre Paris e Chantilly, onde tenho uma casa, e em 2015, pouco antes de festejar meus 60 anos, encontrei o homem da minha vida, com quem me casei rapidamente.
Aliás, quem nos apresentou foi um amigo francês que morava entre a França e o Brasil, desde os anos 1970. Para o meu marido, ele era amigo de infância e para mim, um amigo que encontrei na feira do livro do Rio no ano em que a França foi o país convidado, e Frederic Pagèsera era o organizador. Mesmo casando com um francês, tinha que ter um toque brasileiro!
Em 2015, eu continuava querendo reproduzir a minha vida brasileira aqui. Que ilusão! … Decidimos viver na Catalunha francesa, no sul de Perpignan. Assim, pegava a minha bicicleta, pedalando perto da praia, até chegar ao clube de tênis etc… Rapidamente percebi que não tinha nada a ver com a minha vida do Rio — faltavam os brasileiros; os catalães são bem o oposto dos brasileiros… E voltamos para a terra do meu marido, que é a lindíssima Bourgogne, e lá, de novo, me apaixonei pelo lugar onde moro.
Sigo a vida política no Brasil e é por isso que não voltarei enquanto Bolsonaro estiver no poder. Não se passa um dia sem que um jornal francês não fale do Brasil, dos incêndios dramáticos na Amazônia, da situação dos índios com a Covid e dos brasileiros, os meus amigos das Artes sofrendo muito etc…etc… A lista é muito longa para eu dar um tempo sem voltar ao Brasil.
Hoje, o que me deixa triste é não poder receber os meus queridos amigos do Brasil aqui, na França, por causa dessa pandemia. Mas acredito em dias melhores!
Marie Laure Solanet Lavault: ex-embaixatriz do Brasil na França e em Washington, louca pelo Rio, onde morou. Autora do livro “Outro olhar — Uma francesa no Rio de Janeiro”. Ao partir da cidade, deixou muitos cariocas praticamente de luto. Foto: Rejane Guerra.