Atendia em uma clínica em Botafogo, quando a pandemia surgiu. Meus pacientes chegavam sempre, dando-me um abraço. Nessa saudação, tinham muitos pedidos de ajuda. Era um gesto pleno de afeto que vinha acompanhado de um olhar que me penetrava.
Nesses momentos, sabíamos que estávamos dizendo um para o outro que a jornada terapêutica — que exige muita coragem do paciente — não seria solitária e a faríamos juntos.
Com a pandemia, os atendimentos presenciais foram suspensos; ninguém queria se expor ao risco de se contaminar.
Estou, há meses, em casa, tentando me adaptar à nova rotina, que inclui, necessariamente, o aparelho celular. Sem ele, não haveria clínica. Todos os atendimentos passaram a ser online.
Para alguns pacientes, isso não foi um problema. Pelo contrário, havia vantagens: não precisavam deslocar-se, gastavam menos tempo, podiam acordar e, com a xícara do café da manhã em punho, fazer sua sessão no conforto de seus lares.
Deitados na cama, instalados em seus sofás ou em seus escritórios, eles me mostravam os ambientes da casa, apresentavam-me seus pets e procuravam um lugar para fazer sua sessão e cuidar de si.
O foco principal era achar um local onde sua privacidade fosse preservada: falavam baixinho para ninguém escutar e, algumas vezes, era na garagem, dentro do carro, que as sessões aconteciam.
Mas como uma sessão terapêutica funcionaria no celular com um paciente que tivesse problemas de audição? Como faria com pacientes com ideação suicida em que o contato presencial era de suma importância? Como atenderia uma mãe que perdeu seu filho de Covid, usando uma chamada de vídeo? E aqueles pacientes que moravam em comunidades onde os sinais de Internet eram muito fracos? E os internados em clínicas psiquiátricas?
Acabei abrindo algumas exceções, e fui ao consultório — seguindo todos os protocolos — para atender a esses casos e o de alguns pacientes que iniciaram seu tratamento durante a pandemia e nunca viram o meu rosto sem máscara. Sem contar os que preferiram começar, via online, e eu nunca os vi pessoalmente.
Enfim, a pandemia trouxe muitos questionamentos e, por ora, poucas respostas. Todos estamos nos adaptando, sofrendo e aprendendo, na medida em que as novas situações se apresentam. Muitos tiveram insônia, falta de ar, síndromes de pânico, depressão, ansiedade…
Por outro lado, nunca se produziu tanto “em casa”. Escrevo artigos científicos, participo de uma pesquisa sobre “Luto e Covid” da UERJ, passei a fazer lives, criei uma rede de apoio para atendimento social e um grupo de estudos sobre “Luto e Fenomenologia”, gratuito para estudantes de Psicologia e psicólogos.
Ou seja, como muitos, estou, dentro do possível, vivendo essa nova realidade, cheia de incertezas e torcendo para que, em breve, superemos este momento singular.
Enquanto isso, espero que os abraços voltem em profusão.
Pois é, no abraço, que recarrego minhas forças, manifesto meu amor e passo a mensagem que dias melhores virão.
Márcia Noleto é Psicóloga Clínica, especialista em Fenomenologia Hermenêutica (USU), mestranda de Filosofia da UERJ, Fundadora do Grupo “Mães Semnome”. Instagram: marcianoleto.psicologaContato: noletomarcia@gmail. com