Sofri um acidente em 2007, quando estava me mudando de Curitiba para Florianópolis, onde vivo hoje. Estava no carro com minha avó, que dirigia, minha irmã mais velha, que estava no banco da frente, e com meu irmão mais novo, que estava no banco de trás, comigo.
Minha avó passou mal na rodovia, próximo a Joinville, e então batemos. Com o impacto, a mola do banco dela estourou e cortou o meu rosto. O cinto que eu estava usando apertou meu abdômen e esmagou meu intestino, fazendo com que eu tivesse uma hemorragia interna, perdendo parte da massa muscular do abdômen.
Fiquei por uns 15 dias em coma, na UTI; depois, fiquei por mais ou menos um mês, no quarto do hospital, sempre acompanhada pela minha família.
Como era muito nova, não fazia ideia da dimensão do acidente e, pela primeira vez que vi a cicatriz no rosto, não tive muita reação — aceitei de forma muito natural.
Também tive que usar, por uns 8 meses, a bolsa de colostomia, o que me incomodava mais, pois eu tinha apenas 9 anos.
Tivemos muita sorte porque, quando o acidente aconteceu, um médico de Joinville estava passando na rodovia, ouviu o barulho e correu para nos ajudar. Se ele não estivesse por perto, talvez eu não tivesse sobrevivido.
No entanto, o que fica são os bons amigos que eu e minha família fizemos no caminho — se não fosse o Dr. Alvarez, nada seríamos. As marcas são para lembrarmos o nosso propósito de vida.
Eu amo as minhas cicatrizes. Nunca deixei que elas me abalassem, muito menos os diversos comentários que ouvi. Representam a minha história e como sou forte.
Como estava me mudando, não conhecia os colegas de escola, então foi tudo muito estranho, tanto para mim quanto para eles.
Alguns não souberam como lidar com as minhas diferenças, mas, com o tempo, nos acertamos. Meus amigos próximos e familiares sempre levaram com muito amor e respeito as minhas marcas.
Teve um momento em que meus pais chegaram a me levar a um cirurgião plástico, caso eu quisesse fazer algo, mas, para mim, as cicatrizes eram tão naturais que recusei qualquer procedimento.
Sempre que ia a algum lugar novo, ou fora da minha zona de conforto, recebia olhares curiosos. Geralmente, não ligava, mas, em algumas vezes, me sentia incomodada e preferia sair do local.
Fui crescendo e aprendendo a ignorar esses olhares e cochichos, sempre com muito apoio e suporte de quem estava ao meu lado.
A autoaceitação é um processo longo e, às vezes, bem difícil.
Já deixei de usar certas roupas para esconder as cicatrizes e, por muito tempo, usei o cabelo no rosto, para que ela não ficassem tão aparentes. Conforme fui crescendo, a minha visão sobre a situação foi mudando.
Comecei a ignorar os comentários alheios e fui ficando mais feliz.
Conheci mulheres incríveis que me ajudaram a formar minha ideologia e muito do meu caráter, juntamente com os meus estudos, o que contribuiu bastante para ser quem sou hoje, me aceitar como sou e reconhecer que cada um é cada um.
O ideal de beleza é inalcançável, isso não existe. Cabe a cada um mudar isso da melhor forma, e foi assim que eu decidi embarcar nessa.
No começo da quarentena, angustiada em casa, resolvi raspar o cabelo e me libertar dessas amarras e limitações pessoais.
Foi algo tão bom e libertador, que quis compartilhar com meus amigos nas redes sociais. Acabou viralizando, e foi assim que comecei neste novo trabalho como modelo.
A Andréa Damiani entrou em contato comigo, me chamou para o casting e, em seguida, me apresentou para a WAY Model, agência que está me lançando no mercado nacional.
Acredito que esta carreira pode me gerar bons frutos e me ajudar a influenciar de forma muito positiva outras pessoas a fazerem o mesmo, aceitarem-se.
Na minha opinião, a moda sempre foi — e sempre esteve — muito ligada à atitude. Ela transmite a personalidade de quem sabe fazer o seu bom uso. Você se sente empoderado(a), e é possível transmitir esse sentimento na forma como você se veste, anda e/ou fala.
As pessoas estão ficando cansadas de padrões de beleza; por isso, o mercado e as marcas precisam – e estão – mudando, trazendo para os seus espaços pessoas que representem toda diversidade. É excelente, pois contribui para que ‘padrões’ sejam deixados de lado.
Todos precisam se sentir pertencentes, e eu acredito que a pandemia tem colaborado com isso. Agora, basta a gente seguir com essa onda e nos tornarmos cada vez mais empáticos e solidários.
Eu quero sempre poder mostrar que a nossa essência é aquilo que mais importa, não importando a sua aparência física. Ser o mais real possível, com todas as qualidades e defeitos.
Giulia Dias nasceu em Curitiba e chegou a cursar faculdade de Relações Internacionais e Secretariado Executivo. Aos 22 anos, ela é a nova aposta da moda da agência paulistana WAY Model.