Recomeçar faz parte da natureza de um artista. É condição de sobrevivência do ofício, sobretudo num país como o Brasil, onde a Cultura e a Educação jamais exerceram um protagonismo. Desde sempre, fomos condicionados a nos adequar às condições menos favoráveis possíveis e, em sua maioria, quase inexistentes para conseguirmos produzir e propagar nossa expressão. Sendo representante de um dos nichos mais carentes de apoio e alavancagem da seara artística — a dança — sei, como poucos, o exato significado da palavra sacrifício.
Etimologicamente, vem do ato de fazer ou manifestar o sagrado, portanto, tem a ver com devoção. Em português, tem o sentido de privar-se, de forma voluntária ou compulsória, de um bem ou direito. Essa palavra eu conheço bem em todos os sentidos supradescritos.
A dança faz parte da minha vida há 38 anos. Desde as minhas primeiras lições até a minha escolha profissional, foram muitas e muitas horas de treinos, aprimoramentos, ensaios, apresentações, festivais, competições, estudo, investimento… e nisso, passa-se toda uma vida.
A carreira profissional do artista da Dança neste país não tem muita projeção, muito menos um retorno financeiro digno, e isso é um fato — triste, porém, é a realidade. Meu talento para a docência aflorou também desde muito cedo, sendo eu filha e sobrinha de grandes professores. Muito do meu retorno profissional veio por meio da docência e a cada dia percebo o tamanho da responsabilidade que tenho ao servir às novas gerações que se iniciam nesse ofício.
Ao começar minha difusão da Dança Moderna no Brasil, há 11 anos, após um período de estudos no exterior, abracei mais uma reinvenção — tornei-me Produtora Cultural pela necessidade absoluta de desenvolver minha visão artística de difusão de conteúdos, que acho essenciais para o desenvolvimento e o futuro da Dança no Brasil.
Sempre enfrentei as maiores dificuldades para manter-me firme no meu propósito. Muitas vezes, sem nenhum patrocínio, algumas com uma verba muito diminuta, mas ainda assim, eu sempre realizei, sempre produzi, sempre apresentei resultados, de forma ininterrupta.
Com o início da Pandemia, eu, como vários outros artistas, tinha um planejamento extenso para o ano de 2020. Um novo espetáculo para estrear, mais um congresso, cursos, enfim. Mas confesso que tenho produzido bastante. Não me abalei profissionalmente, talvez por já ser tão treinada pela vida a ter um plano B, C, D e E.
Tive que realizar com as piores condições possíveis. Fora a dolorosa e irreparável perda do meu tio Jimy Raw, esse período tem sido uma oportunidade de expansão diferenciada, em que fui ainda mais desafiada e, mesmo limitada ao meu espaço residencial, consegui encontrar a solução profissional que buscava há tantos anos.
Fundei uma Escola Virtual para a difusão da Dança Moderna no Brasil e na América do Sul, com o meu corpo docente Nacional e Internacional e tenho conseguido atingir meu público em diversas regiões do Continente em caráter permanente — pessoas que antes eu só conseguia impactar uma ou duas ao ano através de encontros presenciais, através de cursos ou do meu Congresso. Esse é um grande passo que foi acelerado e conquistado durante esse período.
Creio que precisamos buscar forças para renovarmos os nossos propósitos e encontrarmos as nossas missões no palco da vida. Como citei anteriormente, a palavra sacrifício pode ser vista como privação, mas também pode ser transmutada pelo seu significado essencial — o do ato de fazer ou manifestar o sagrado — que pode ter o poder de acionar o que há de melhor em cada um nós.
Andrea Raw é bailarina, fundadora, diretora artística e coreógrafa da Companhia Dança 3, desde 2012, no Rio. Ela perdeu o tio (o radialista Jimmy Raw) para o Covid-19, em setembro. Com a pandemia, teve que se refazer e fundou uma escola virtual cujo foco é a Dança Moderna na América do Sul.