Sempre divertida, pra cima e com tiradas impagáveis, Jane Di Castro morreu nesta sexta (23/10), de câncer, aos 73 anos, levando toda a sua alegria. O sepultamento será neste sábado (24/10), no cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, na capela 1, às 14h. Jane é uma das precursoras do movimento pelo direito dos LGBT+ no Brasil; tinha um salão de beleza em Copacabana; e participou, durante 10 anos, do “Divinas Divas”, que virou doc em 2016, dirigido por Leandra Leal. “Jane era uma artista talentosa, profissional exemplar, ativista essencial na luta pelos direitos LGBT no Brasil. Jane mudou a minha vida ao me apresentar as ‘Divinas Divas’ e me contagiar com a sua força criativa. Eu serei eternamente grata por ter convivido e aprendido com ela”, disse Leal à coluna.
Atualmente está no ar em “A Força do Querer”, reprise da novela de Glória Perez, em que contracena com o ator Silvero Pereira, que interpreta uma transformista inspirada nela. Na época, ela disse à coluna: “Adoro a Glória, ela se preocupa com as questões sociais, em esclarecer o povo, ela vai abrir a cabeça das pessoas homofóbicas. Esse personagem da Carol Duarte (Ivan/Ivana) vai mostrar que as pessoas são como nascem, ninguém muda. Eu não mudei – sempre gostei de homem, nunca gostei de gay, tinha uma mulher dentro de mim que demorou a sair — tinha medo de ser presa e de apanhar, como acabou acontecendo várias vezes durante a ditadura. A novela vai expor a transexualidade de uma maneira que ainda ninguém fez”.
Abaixo, uma homenagem da coluna à eterna “divina diva”, em entrevista ao site em 2015:
Já vai um bom tempo em que Luiz de Castro passou a infância em Oswaldo Cruz, na Zona Norte carioca, filho de pai militar e mãe evangélica. De lá pra cá ele desafiou a repressão em casa e na sociedade e, hoje, Jane Di Castro, sua versão mais completa e feliz, comemora 50 anos de carreira como artista performática e cantora.
Em 23 de julho de 2015, ela estreou a nova versão do musical “Passando Batom”, na Sala Baden Powell, em Copacabana. Jane chamou, novamente, o mesmo diretor do show original para essa remontagem: Ney Latorraca.
No repertório estão sucessos como as canções de Piaf, Beatles, Roberto e Erasmo Carlos, Marisa Monte e Raul Seixas. Entre uma música e outra, Jane, que também é dona de um salão de cabeleireiro e é síndica, há oitos anos, do Edifício Kansas, em Copacabana, vai contar muitos casos engraçados — e eles não faltam em sua vida.
No lado afetivo, tudo vai bem: depois de 47 anos vivendo com Otávio Bonfim (que morreu em 2018, depois de 51 anos juntos, em números atualizados), eles formalizaram a união, ano passado, num casamento coletivo de 160 casais homoafetivos. “Estou com a cara no gelo e o gogó todo trabalhado no gengibre e no cravo. Peço que compareçam e comprem ingressos também para a mamãe e a titia, pois sei que a terceira idade me amaaaaa!”, fala, eufórica. No mais, vamos prestigiar a “boneca”, como ela gosta de falar de si própria, que Jane merece.
UMA LOUCURA: “Ser mulher e arder de amor, desde que sou uma menina, como canta a diva Maria Bethânia. Essa música é tudo, né? Se não me engano a letra é da Marina e do Antonio Cícero ( Nota do site: os autores são esses mesmos e a música se chama “O Lado Quente do Ser”). Também adoro a parte que diz: “Eu já quis ser bailarina. São coisas que não esqueço e continuo ainda a sê-la”. Essa é a música que eu gostaria de ter composto e ainda não cantei em nenhum show. Acredita? É que acho tão linda com a Bethânia cantando, que nunca me atrevi.
UMA ROUBADA: “A pouca vergonha na política nacional. Como cidadã brasileira, tenho nojo desse fundamentalismo religioso querendo ditar regras pra toda a sociedade. E o governo, que fecha os olhos pra isso porque quer votos desses fiéis ignorantes. Tenho pavor de ver como estamos retrocedendo nesse sentido. A política é para ser feita pra todos, independente de raça, sexo e credo”.
UMA IDEIA FIXA: “Só tenho pensado por enquanto no espetáculo ‘Passando Batom’. Durmo cantando, acordo cantando todas as músicas do roteiro. Penteio até as clientes do salão cantando, atendo o telefone cantando. Tô com medo de virar uma bicha neurótica. (kkkkkkkkk!)”
UM PORRE: “Gente que não bebe. Tenho pavor. São muito chatas. Eu adoro manguaçar, seja na pérgula do Copa, que é em frente ao meu salão e a minha casa, ou seja num pé sujo de Copacabana qualquer. Até em Oswaldo Cruz, onde fui criada e ainda mora a minha irmã, eu gosto de beber. Como diz um amigo meu, vou do luxo ao lixo com a mesma categoria”.
UMA FRUSTRAÇÃO: “Não ter sido bailarina do Teatro Municipal”.
UM APAGÃO: “As bichas mais assanhadas adoram um quarto escuro. Eu não. Nasci pra brilhar. E essa palavra, quando estou em cartaz, me causa um verdadeiro pavor. Esqueça, ‘pelamor’!”
UMA SÍNDROME: “De limpeza. Tenho pavor de sujeira. Seja em casa, no salão ou no prédio, onde sou síndica, quero tudo sempre um brinco. Cuido até da higiene dos porteiros do Edifício Kansas: corto os cabelos, faço as unhas”.
UM MEDO: “Confesso que tenho medo da velhice. A juventude é linda demais. Mas, felizmente, hoje estamos envelhecendo melhor que antigamente, tirando alguns excessos de botox e caras tortas que a gente vê por aí, que chegam a assustar. Fico pensando: pode não ter uma amiga que fale, mas será que também não tem espelho em casa? (Kkkkkkk)”
UM DEFEITO: “Falar demais. Às vezes penso: era melhor ter ficado calada, mas como uma boa mulher que sou, não tenho papas na língua”.
UM DESPRAZER: “Ter que conviver com gente preconceituosa até os dias de hoje. Hellooooouuuu!!!!!!! Século XXI, ano de 2015. Não sou obrigada!”
UM INSUCESSO: “A intolerância religiosa. Jesus pregou tanto o respeito e a igualdade e vem essa gente chinfrim querer ditar uma regra que até o ‘Deus’ deles deve se envergonhar de ouvir. Viva o amor! Seja de qual forma for”.
UM IMPULSO: “Não acho legal agir sem pensar. Mas às vezes acontece, e tem situações na vida que não dão pra escapar. Quando criança, por exemplo, fui tomada pelo impulso de passar batom e nunca mais parei. (Kkkkkkk)”
UMA PARANOIA: “Querer me livrar de gente paranoica. A vida é muito curta pra viver atrás de problemas. Vamos ser felizes. É o que realmente importa”.