A quarentena tem sido um período intenso. Num primeiro olhar, o que se passou nesses quase seis meses trouxe registros de morte e o sofrimento de milhões de brasileiros e pessoas em todo o mundo. Tive perdas de familiar e de amigos. A aparente recorrência da corrupção na política do Rio — quase como uma maldição contra um estado tão lindo e com tantas vocações naturais para a prosperidade – também apontaria para um cenário de desolação.
A retração econômica, resultado da necessidade de isolamento social, é mais um componente de preocupação diante da inevitável perda de postos de trabalho em todo o País. No entanto, há tempo para tudo, como nos ensina o Eclesiastes. E talvez o momento em que aparentemente nos aproximamos de uma nova transição, de volta a um pouco da vida pré-pandemia, seja ideal para uma reflexão. Em meio ao isolamento, eu me reelegi para mais um mandato na Firjan.
Os desafios que teremos pela frente são imensos, e meu compromisso com o resgate do Rio me motiva a arregaçar as mangas e trabalhar, incansavelmente, pelos próximos quatro anos. Em paralelo ao trabalho na Firjan, dediquei também, como já faço há quase meia década, parte do meu tempo à Greenpeople, empresa pioneira de sucos prensados a frio e pasteurizados à alta pressão. Foi fundada há seis anos e hoje é referência por oferecer bebidas e alimentos saudáveis, inspirados pelo que há de mais moderno em tecnologia.
O processo de produção da Greenpeople me inspirou a viajar um pouco neste pequeno depoimento pessoal. A ideia de uma técnica de fabricação que prensa os alimentos, mantém o que há de bom e saudável, assegura o frescor do que será consumido e elimina o que há de ruim, sem que se chegue a consumir o que pode fazer mal, levou-me a pensar no que há de parecido com minha atitude em relação à vida e o sistema de HPP (High Pressure Processing).
A vivência acumulada e o aprendizado de tantos anos me levaram a pensar que devemos ter o nosso próprio HPP ao processar relacionamentos e experiências. Intuitivamente, sem que tivesse, é claro, me permitido uma viagem como essa, o que só é possível quando se é estimulado a produzir um depoimento pessoal, percebi que minha atitude diante da vida, cada vez mais, aproxima-se desse processo mental. Autoajuda à parte, o caminho para a felicidade é um pouco esse. Mentalmente, o mais saudável é deixar que mágoas e decepções (e elas são inevitáveis) sejam eliminadas.
E que se preservem amizades verdadeiras, novas e antigas. São elas os nutrientes que permitem à vida ter o sabor da solidariedade, da fé e da esperança. A convivência com os mais novos é um desses nutrientes poderosos. Tenho interagido com muitas lideranças jovens no Centro Industrial do Rio de Janeiro (CIRJ). É reconfortante constatar a preocupação de cada uma em legar às próximas gerações um país e uma cidade melhores. O sucesso chegou cedo e, nem por isso, sentem-se menos motivados a contribuir.
Na Greenpeople, é muito bom perceber que meus sócios, dentre eles minhas filhas, têm se mostrado também tão cheios de vitalidade e energia para tornar realidade o que era apenas o sonho de oferecer uma vida mais saudável às pessoas.
O Rio e o Brasil precisam muito de uma atitude positiva em relação à vida, livre de ressentimentos, de mágoas, de tudo o que não for capaz de trazer de volta a alegria de estar num país e numa cidade privilegiados. Os tempos são pesados, mas a vacina vai chegar e, de alguma forma, sob muitos pontos de vista, o novo e o velho normal não serão tão incompatíveis.
É hora de processar mentalmente o que se viveu nos últimos seis meses, sob uma perspectiva de solidariedade e gratidão por tanta gente abnegada que, dia após dia, se propôs a salvar vidas ou a tornar as vidas de todos muito mais seguras e confortáveis a despeito dos riscos que suas atividades profissionais embutiam. Juntos, mais fortes, ainda que machucados, seremos capazes de recomeçar e, movidos por uma atitude positiva e inclusiva, com energia renovada, faremos do limão dos últimos tempos uma limonada que vai alimentar nossas almas e nossos espíritos. Ou, para usar uma imagem mais bela, fiquemos com um verso de Shakespeare, em Ricardo III, que teima em me voltar à mente durante estes tempos de pandemia: “Now is the winter of our discontent” (“O inverno do nosso descontentamento está chegando ao fim”).
Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira é engenheiro. Acaba de ser reeleito presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
Foto: Agência Brasil