Sempre que o assunto surge, eu reafirmo que não é de hoje que a tecnologia, a Internet e, principalmente, as redes sociais geram controvérsias. É inegável o quanto elas podem facilitar nossa vida, mas também precisamos estar atentos aos mecanismos utilizados para nos prender a elas. Recentemente, esse debate ficou ainda mais em evidência depois de a Netflix lançar o documentário “O Dilema das Redes”.
Antes de tudo, é necessário refletirmos de que forma estamos nos relacionando com essas redes e o quanto de dependência elas podem nos causar. Estamos configurando um cotidiano formatado para gerar a necessidade da tecnologia na realização até dos afazeres mais banais. O que surgiu como um facilitador, agora virou uma necessidade.
Uma coisa que não é clara para a maioria de nós é o limite entre o que é normal e o que é patológico. Qualquer comportamento, quando é apresentado em padrão de uso excessivo, impactando-nos negativamente ou prejudicando alguma parte importante da nossa vida, é considerado preocupante. Podemos observar sintomas de abstinência quando diminuímos ou restringimos o uso da tecnologia, como irritabilidade, impaciência, desespero. Esta é a nossa realidade: muitas pessoas estão dependentes da Internet – e isso tem explicação química e emocional. As redes possuem um alto teor adictivo, como chamamos, por gerar prazer e criar um sistema de alternância entre atenção e desatenção. Esse circuito eleva a nossa dopamina e nos faz esquecer os problemas da vida real: é fácil nos perdermos no tempo quando começamos a navegar, não é?
A questão que gostaria de ressaltar aqui é que essa dependência pode prejudicar a nossa saúde mental em diversos níveis: desde a autoestima, por causa do comparativo que a Internet propicia (principalmente as redes sociais), até o fato de encontrar, no mundo virtual, situações que não possuímos no mundo real. Pode ocorrer uma distorção de padrões de comportamento e, até mesmo, prejuízos de foco e presença real, prejudicando nossos relacionamentos com familiares, amigos e no trabalho.
No entanto, não adianta aderirmos ao efeito de demonização da tecnologia. Ela faz parte da nossa realidade e vem com inúmeros ganhos, inclusive no campo da ciência, da medicina, da segurança… Coisas que nenhum de nós quer voltar atrás. Nós, adultos, é que temos que dar um jeito de lidar com elas, seja no âmbito social, por meio de regulamentações jurídicas para nossa proteção, seja no âmbito individual, habituando-nos a criar limites e autocontrole.
O que me assusta é a rapidez exponencial com que a rede cresce e o quanto nós vamos mergulhando nela sem entender ou ignorando os riscos de seus mecanismos. Por isso é tão importante percebermos, por exemplo, que o conteúdo que chega para nós é apenas o que o algoritmo assume que tem a ver conosco, e não, necessariamente, elementos que vão chegar para outras pessoas. Temos que saber que estamos recebendo uma parte das informações, e não o todo. Estamos sendo essa isca para consumo; por isso, precisamos resistir às tentações.
Também é fundamental ficarmos ainda mais atentos à inserção de nossas crianças no meio digital, que já nascem imersas nele. Nosso comportamento é moldado pelo que assistimos e pelo ambiente em que vivemos, logo, cérebros em desenvolvimento são muito moldáveis ao que são expostos no ambiente ou nas telas. O controle parental das informações absorvidas pelas crianças via Internet deve ser regra, e não opção. Quando não o fazemos, estamos pondo crianças em contato com informações que elas não são capazes de processar adequadamente, em uma quantidade nunca antes vista.
Uma dica minha para que usemos a ferramenta com equilíbrio é que nós, adultos e nossas crianças, precisamos desligar as notificações. Assim, temos o poder de escolha de quando e como queremos entrar.
A mídia com autocrítica também é uma aliada nossa. Documentários, como “O Dilema das Redes”, são fundamentais para que possamos obter conhecimento e debater sobre esse assunto. Criticar sem tomar medidas necessárias não é produtivo. Tendo em vista que a tecnologia é um dos setores mais ricos e com investimentos do mundo, saber como ela funciona é a melhor forma de nos protegermos e corrermos atrás de entender como conviver de maneira saudável com ela.
Daniela Faertes é psicóloga, formada na PUC-Rio, especialista em terapia cognitiva e mudança de comportamentos prejudiciais. Atuou no Serviço de Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio e, como supervisora, coordenou o núcleo de tabagismo e criou o setor de amor patológico. É membro da American Cognitive Therapy Association. Atualmente, é diretora do Espaço Ciclo, no Rio Janeiro, palestrante e supervisora clínica e de Grupos de Estudo em Terapia Cognitiva.