O Brasil tem 5.570 municípios, e o que ocorre na eleição municipal do Rio de Janeiro não tem nada de diferente das outras 5.569 cidades. Existem dois candidatos fortes; outros dois com poucas chances e um que pode surpreender. O resto é figuração.
Esses figurativos, normalmente, entram na disputa para aproveitar o tempo de TV e se cacifar para as eleições parlamentares de 2022.
Sem falar naqueles que estão no páreo apenas para pôr a mão no fundo eleitoral.
No Rio, temos dois candidatos fortes: o ex-prefeito Eduardo Paes, do DEM, que transformou a cara da cidade durante seu governo graças principalmente às verbas fabulosas que recebeu do Governo Federal para a realização de obras para as Olimpíadas de 2016. Paes tinha popularidade suficiente para eleger o seu sucessor, mas insistiu em um nome sem nenhum carisma, sem discurso, sem passado, e que tinha apenas seu apoio solitário.
Assim, o atual prefeito Marcelo Crivella, do Republicanos, e seu rebanho evangélico ganharam as eleições de 2016 — data em que começou a verdadeira derrocada da cidade e, principalmente dos mais humildes, que ele prometeu cuidar. O pouco que o pastor fez em seu governo foi através da assessora Márcia, dona de sua agenda de eleitores e única pessoa acima de todos os secretários. Pena que a ordem era atender apenas os fiéis da Universal, onde seu tio Edir Macedo é o mandachuva.
Esses são os candidatos para valer embora a Justiça, nos últimos dias, tenha decidido atrapalhar a campanha de ambos.
Primeiro foi Eduardo Paes, que teve desengavetado um processo que adormecia há oito anos e que, em princípio, apesar de ter se tornado réu, não deve dar em nada, a não ser a dor de cabeça diária de ter de explicar — e reclamar — e “perseguição política” há dois meses do pleito.
Depois foi a vez de Marcelo Crivella. Ele já conseguiu abater quatro processos de impeachment na Câmara de Vereadores, mas agora corre o risco de sua candidatura ser impugnada; ou vencer e não ser diplomado; ou ainda vencer, tomar posse e, em seguida, ser cassado.
Na semana passada, por unanimidade (7 x 0) o TRE o acusou de abuso de poder econômico, e decidiu torná-lo inelegível até 2026. Como cabe recurso ao TSE, o pastor continuará candidato, mas dificilmente terá êxito no Tribunal Superior, depois da derrota acachapante na Justiça fluminense.
Ainda não foi exibida nenhuma pesquisa que aponte a rejeição a cada um dos nomes, mas Crivella, com certeza, será o campeão nesse quesito. O que poderia ajudá-lo seria o apoio explícito do Presidente Bolsonaro, que, pelo menos no primeiro turno, decidiu manter-se “neutro” no Rio de Janeiro, mas autorizou o atual prefeito a usar sua imagem na campanha. O que ele sonhava, mas não conseguiu, foi ter a mãe do 01, 02 e 03 como vice em sua chapa. Uma série de acusações contra sua administração, inclusive os chamados “Guardiões de Crivella”, uma espécie de milícia não armada, que prestava serviço na porta de hospitais públicos, para impedir reclamações de usuários, foi a pá de cal em suas pretensões.
Bem avaliadas, mas como chances quase nulas de conquistar a prefeitura, estão duas mulheres: a ex-delegada e deputada estadual Martha Rocha, do PDT, e a deputada federal Benedita da Silva, do PT. Martha, oriunda do PSB, tem a seu favor o combate ao crime já que ocupou a chefia de Polícia no governo Cabral. Trabalhar para o ex-governador não lhe garante votos, ao contrário. Mas justiça seja feita: a deputada é uma das poucas pessoas que, passando pelo governo, saiu com o nome limpo.
Benedita da Silva, apesar de seus 78 anos, teria tudo para animar o eleitorado, neste ano em que o racismo está sendo tão combatido. Ela é negra, evangélica e a única ex-governadora viva que não responde a nenhum processo e não conhece as dependências de Bangu ou de Benfica. Mas contra ela tem o seu partido, o PT. O Rio é a única capital, e Estado, onde o PT não se criou — não só por falta de quadros sérios, mas principalmente porque aqui foi o berço do brizolismo, o que impediu o avanço do petismo. Benedita chegou ao governo do Estado por ser vice de Garotinho, que decidiu deixar o governo nove meses antes do final de seu mandato, para candidatar-se à Presidência da República, na eleição vencida por Lula.
A surpresa dessa eleição, podendo até mesmo chegar ao segundo turno, é Luiz Lima, atleta olímpico que se filiou ao PSL e foi eleito deputado federal na onda de Bolsonaro. Ele é o único candidato escancaradamente bolsonarista, mas não conta com o apoio do Presidente e está proibido de usar a imagem do capitão em sua campanha. Para ludibriar o eleitorado, lançou o slogan: “A cidade do Rio de Janeiro acima de tudo. E Deus acima de todos”.
Para os negacionistas de plantão, uma imagem que poderá ajudá-lo na campanha será a da prisão de sua mulher e filha, de 14 anos, em abril quando furavam a quarentena na praia de Copacabana. Elas dizem que estavam no mar, e a polícia garante que estavam na areia. O fato é que existe a imagem delas entrando em um camburão da PM. Jeitoso, Luiz Lima foi o único candidato — junto com os líderes Paes e Crivella — a não assinar um documento contra a TV Globo, que pretende realizar um debate apenas com os quatro candidatos melhores colocados nas pesquisas Ibope ou Datafolha.
O restante dos candidatos não é para ser levado a sério.
Na Rede, o ex-presidente do Flamengo Eduardo Bandeira de Mello acredita que sua boa administração no clube o levará à vitória. Ledo engano. Nem clube de futebol, nem escola de samba têm poder para eleger quem quer que seja em eleição majoritária. Além disso, o candidato não conseguiu coligar-se com nenhum partido — o que reduz seu tempo de propaganda eleitoral. E pior: passará toda a campanha explicando o que não tem explicação: a morte de 10 atletas no Ninho do Urubu, a concentração do Flamengo que queimou seus jovens jogadores, cujas família até hoje não foram indenizadas.
O PTB tinha como candidata a filha de seu presidente Roberto Jefferson, a ex-deputada Cristiane Brasil. Como está presa, o partido ainda tentou lançar o produtor cultural Fernando Bicudo, funcionário e admirador de Witzel, mas que não se desincompatibilizou a tempo para disputar a eleição. Assim, o PTB estará de fora.
Renata Souza, do PSOL, está tapando o buraco deixado por Marcelo Freixo, que, embora bem colocado nas pesquisas, exigiu que fosse o candidato único das esquerdas. Renunciou à disputa para voltar mais forte. Acabou perdendo o bonde.
Glória Heloíza, do PSC, era a candidata do agora ex-governador Wilson Witzel, e ex-juíza como ele. Sabe-se lá que discurso utilizará na campanha.
Cyro Garcia é o eterno candidato do PSTU. Já foi candidato a vereador, a deputado, duas vezes a governador, a senador e agora quer ser prefeito.
Clarissa Garotinho, do PROS, foi vice na eleição passada na chapa encabeçada por Rodrigo Maia. Com o presidente da Câmara não fez sucesso; sem ele, poderá melhorar seu desempenho.
Fred Luz (Novo), Paulo Messina (MDB), Henrique Simonard (PCO) e Suêd Haidar (PMB) não merecerem comentários.
Paes e Crivella, por terem conseguido a maior adesão entre os partidos com assento na Câmara dos Deputados, terão o maior tempo de rádio e TV.
Dizem as boas (ou más) línguas que um sujeito entra na política por uma dessas três razões: por patriotismo, por vaidade ou maluquice, ou para aumentar o patrimônio. Está aí uma boa reflexão para o eleitor fazer sobre cada um dos candidatos.
Dacio Malta é jornalista e diretor de cinema. Dirigiu “O Dia”, o “Jornal do Brasil” e “O Globo”; e realizou dois documentários: “Noel Rosa — O Poeta da Vila e do Povo” e “O Gato de Havana”, que conta a história do “Gato Tuerto”, o mais emblemático cabaré cubano.