Se você está lendo este texto, parabéns! Significa que desfrutou de uma magnífica dose de recursos de acessibilidade comunicacional desde que nasceu. Leu os livros que desejou, conversou com profissionais de saúde, reclamando de alguma dor, expressou-se na reunião do condomínio ou na festa junina da rua por mais bandeirinhas vermelhas, e por aí vai. Com isso, passou para a fase dois: relembrou o quanto vale a liberdade de se comunicar, de acessar informação e confirmou que, sem acessibilidade comunicacional, uma pessoa com deficiência não consegue participar com independência e autonomia, na vida em sociedade.
Continua a ler? Está refletindo sobre o parágrafo anterior? Atenção! Significa que sua consciência está expandindo e em breve você vai se decepcionar com o que antes achava muito natural o fato de a sociedade ignorar — no presencial e no virtual — o direito que pessoas com deficiência têm de desfrutar da vida cultural. Como você se sentiria se fosse cega e nunca tivesse entendido nada em peças de teatro quando as cenas eram silenciosas e ainda ficasse com cara de boba quando todo mundo gargalhasse, menos você? Acontece quando o espetáculo não oferece audiodescrição. Bem, se você concorda que é um acinte a indústria do entretenimento não oferecer Libras, legenda descritiva nas TVs, livros em meio digital, descrição das fotos na Internet, cotidianamente, e não como um favor, você acaba de passar para a fase três: concorda que, sem recursos de acessibilidade, pessoas com deficiência vivem em profunda desvantagem social, cultural e econômica. E que, no mundo virtual, em fase de isolamento social, a exclusão é exponencial e pode colocá-las em risco na vida.
Se você cansou, desanimou, está com sono ou tensa, é natural! Significa que sua plasticidade neuronal está a toda! Novas sinapses estão sendo criadas porque já não vai conseguir conviver mais com seus antigos padrões, nada inclusivos. Parabéns, você acaba de passar para a fase quatro, porque já compreendeu que quem viola os direitos de pessoas com deficiência no seu acesso à informação e à comunicação não são necessariamente o Estado, os governos ou as grandes corporações — são pessoas como nós, bem-intencionadas, mas que naturalizam tudo, pensando que “o mundo é mesmo injusto e não dá para brigar por tudo”.
Fase cinco: é quando você decide se tem disposição para prosseguir. Desejo que sim. Para se mobilizar ainda mais, eu te convido a assistir ao primeiro espetáculo teatral totalmente gratuito e acessível da Internet brasileira, o “Ninguém mais vai ser bonzinho”, realizado e transmitido pela Escola de Gente em seu canal no Youtube, neste sábado (19/09), às 17h, Dia Nacional do Teatro Acessível.
Toda pessoa é bem-vinda e terá o sagrado direito de participar: quem não enxerga mais ou nunca enxergou; é analfabeta ou tem baixo letramento; dificuldades de captar o português falado porque é surda e se utiliza da Libras, não consegue acompanhar a legenda porque é malfeita ou passa rápido demais; está idosa ou tem atipicidades e neurodiversidades estigmatizadas e desprezadas como plateia no mundo presencial e, agora também, no virtual. Não perca. A fase cinco do “Jogo da Acessibilidade” é infinita. Sucesso!
Claudia Werneck é jornalista, escritora e fundadora da Escola de Gente, no Rio, que capacita jovens para a comunicação com pessoas com deficiência. A ONG já recebeu 60 prêmios, sendo três da ONU, por iniciativas consideradas as mais inovadoras, como o grupo de teatro “Os inclusos e os sisos”, criado, à época, pela atriz Tatá Werneck, sua filha, um projeto de leitura acessível. Seu primeiro livro sobre a Síndrome de Down, “Muito prazer, eu existo” (1992), vendeu mais de 300 mil cópias. Ela tem 14 títulos publicados para crianças e adultos.