Enquanto chegamos silenciosamente aos 140.000 mortos em função da pandemia, enquanto milhares de hectares dos biomas Amazônico e do Pantanal são torrados pelas mais recentes queimadas com perdas em termos de biodiversidade inestimáveis, enquanto tudo isso e mais o caos nosso de cada dia se desenvolve naturalmente, como se, e efetivamente, fazendo parte da paisagem, semana passada, fui visitar novamente o ponto de captação da estação de tratamento de águas do rio Guandu.
Juro que não é por masoquismo, mas por obrigação moral e técnica, visto que, desde 1999, denuncio e, simplesmente, não dá em nada.
Destaco que, por melhor que o técnico seja, se ele se calar ou se omitir diante do que considera e constata estar errado, por melhor que ele seja, o fulano torna-se um claro cúmplice de toda a patifaria. Portanto, como me omitir não é uma opção, continuo em minha trilha.
Relembrando aos recém-chegados, da mesma forma que acontece no sistema lagunar de Jacarepaguá e nas baías de Sepetiba, Guanabara e Ilha Grande, costumo informar, denunciar e cobrar medidas efetivas das autoridades, tentando evitar o pior. E nisso, lá se vão 24 anos de voos pelo projeto OLHOVERDE.
No entanto, desta vez, fui de barco, acompanhando, mais uma vez, uma equipe da tv Globo.
Como eu já havia constatado em voo, em agosto passado, agora, em setembro, nada, absurdamente nada mudou desde janeiro e fevereiro, caracterizados pela “crise da geosmina”.
É como se beber água proveniente da mistura das turvas águas do rio Guandu, com os esgotos doméstico e industrial dos rios (valões) Poços, Queimados e Ipiranga, fosse a coisa mais normal do mundo! Talvez do mundo dito civilizado, não, mas, em outros lugares com níveis de civilidade ambiental, ainda bem reduzidos por motivos variados, parece ser completamente normal.
Em seguida, fico sabendo pela imprensa que promotores do MP-RJ viram-se obrigados, depois de duas tentativas sem resposta, a obter as informações solicitadas da estatal em relação à “crise da geosmina”, indo pessoalmente às sedes da empresa, para conseguir o que vinha sendo solicitado e não atendido.
Temos leis, temos órgãos de fiscalização, temos centros de pesquisa, temos um problema de gravidade socioambiental e de saúde pública sem precedentes sob meu ponto de vista, e continuamos na mesma desde 1999.
Somos o país da porteira arrombada, onde, para alguns, não pega nada, enquanto, para os que não se omitem, a pena pode ser pesada, variando dos delinquentes incomodados e dos interesses contrariados.
Pode afetar apenas ecossistemas ou também milhões de pessoas; nada intimida, nada preocupa, pois, no final, tudo se acerta na cabeça dos sociopatas verde-amarelos.
Questiono: por quanto tempo ainda continuaremos nessa “roleta-carioca”, apostando que a heroica estação de tratamento de água do Guandu dará conta de transformar aquele mix tóxico em água potável? Chamo a atenção que a estação do Guandu é uma estação de tratamento de água, e não de esgoto!
Parece que, quando a água chegar, se for inodora e incolor, está tudo bem, e o futuro a Deus pertence.
Lembro-me do desabamento dos prédios da Muzema — que eu alertei publicamente — nas chuvas de 2019, com 24 horas de antecedência, que poderíamos ter novas vítimas. Nada foi feito. Será que teremos de passar por nova tragédia para que, só aí, tomem-se as medidas necessárias para proteger a estratégica bacia hidrográfica do rio Guandu?
Uns dirão: “Não há recursos!”. Sim, claro, quando é de interesse público, nunca há recursos. Para apenas a reconstrução do Maracanã, torrou-se 1.6 bilhão de reais, mas, para a bacia do rio Guandu, que abastece milhões de habitantes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, tudo pode esperar até o dia…..
Ouço um silêncio ensurdecedor que vem de todos os lados. É como se nosso jeito de ser fosse esse mesmo, isto é, aceitar o inaceitável como coisa normal.
Desse jeito, esse lugar é inviável.
Pelo menos, para mim.