Por coincidência, o trabalho que venho apresentando, assim como o vírus desta pandemia, teve origem na China, quando, em 2016, passei a trabalhar com nanquim e a estudar a tinta e sua história junto à filosofia taoista. Através de pinturas de grandes dimensões em papéis e telas, venho falando da sabedoria oriental milenar, do caminho simples, do controle que não temos e sobre deixar fluir.
Fluida, a complexa água é a outra única matéria-prima do meu trabalho, e lidar com a água é lidar com o descontrole: a gente passa a vida tentando contê-la, mas ela sempre dá um jeito de escoar. E é a partir de um jogo de controle e descontrole sobre litros e litros de água, que meu trabalho ganha forma no ateliê. O que eu não sabia era que todas aquelas horas “brincando” de imprevisibilidades e dando espaço a elas, precediam um dos momentos mais imprevisíveis da história da humanidade e que tudo que tínhamos como certo poderia, de repente, escorrer pelas nossas mãos.
Hoje, estou há quatro meses, dentro de casa, sem ir sequer ao elevador. Minha sensibilidade exacerbada faz chorar as dores do mundo. Às vezes me esforço para viver na facilidade do limbo das coisas, mas fui feita para o cerne delas. Em nome de todas as mães, penso no futuro. O mundo está de cabeça para baixo e desorquestrado como nunca. Um verdadeiro festival de absurdos!
Espero que, deste caos, nasçam muitas estrelas brilhantes. Torço para que a gente consiga aproveitar as oportunidades que vieram a reboque, para que nossa casa seja nossa caverna, nosso silêncio, nossa plenitude; para que nossa família seja nossa maior entrega; e para que, desmatamentos à parte, a gente possa agradecer pela melhoria na qualidade do meio ambiente, em nome da natureza e dos animais. É isso que venho fazendo.
Mas nem tudo são flores, é claro. Pintei nas paredes da sala, quebrei meia dúzia de copos, dei uns berros na varanda e ando comendo como se não houvesse amanhã. Tudo por conta da minha ansiedade e da minha incapacidade de adaptação ao ‘let it flow’ do taoísmo. Não foi à toa que escolhi trabalhar com água e lidar com o descontrole. Foi em prol de um aprendizado.
Coisas que fogem ao meu controle, simplesmente, me enlouquecem. Tenho andado tão desconstruída quanto as figuras que andam pipocando do meu subconsciente para os papéis. Acho graça de mim mesma. De resto, uma felicidade impagável ter meu marido em home-office em tempo integral e, acima de tudo, uma sorte ímpar ter tido meu filho — o tudo na vida, pra mim, que estuda nos EUA, aqui comigo de novo, por um longo período.
Em meio a tantos acontecimentos de maior grandeza, não caberia falar de frustração quanto ao cancelamento da minha participação na SP Arte e de duas individuais: uma na galeria Bianca Boeckel e outra no MAM Bahia.
Participo, neste momento, de uma exposição coletiva em Berlim, em comemoração aos 11 anos da AquabitArt Gallery, galeria que me representa na cidade, desde 2017, e que vem colocando meu trabalho em diversas coletivas, feiras e coleções e que, em outubro deste ano, fará minha segunda individual. Vida que segue!
Foto: Pedro Luz
Paula Klien é uma artista multimídia representada em Berlim e em quatro estados brasileiros. Seu trabalho já foi bem exposto no exterior: Berlim, Londres, Nova York, Buenos Aires. Participou também de três bienais na Itália. No Brasil, além de feiras e mostras importantes, fez duas individuais no Rio: “Extremos Líquidos”, com curadoria de Marcus de Lontra Costa e “Fluvius”, de Denise Mattar. Grande parte do seu prazer está nas artes plásticas.